quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Arma de choque, conhecida como “Taser”, para conter dependentes de crack? Nada mais insano!


 


 
No “Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras drogas” está prevista a distribuição de armas de choque, conhecidas como “taser”, para conter dependentes de crack.

A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) é a responsável pela orientação para a utilização da “taser”. O Rio de Janeiro é um dos 12 estados da Federação que já estão incluídos no programa e receberão 250 unidades para serem utilizadas por seus policiais (Folha.com - http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1185334-policia-usara-arma-de-choque-contra-viciados-em-crack.shtml).

 
Nada mais insano!

 
É do conhecimento público e científico que as condições gerais de um dependente de crack é sempre muito precária do ponto de vista de sua saúde. Tremendo engano é achar que a arma “taser” seja algo inofensivo e que poderá ser útil para conter um dependente de crack. Esse tipo de paciente, o dependente de crack, já apresenta uma sobrecarga no organismo, é sempre alguém muito debilitado e o choque que a “taser” provoca poderá facilmente acarretar um ataque cardíaco letal ao dependente.

 
Enquanto países democráticos e desenvolvidos criam “salas especiais” para atrair dependentes químicos e a partir de então estabelecem laços de confiança que permita encaminha-los ao tratamento mais adequado, o Brasil, lamentavelmente, prefere a contra mão das Leis, instituindo a pena de morte para esses enfermos como se estivéssemos num regime de exceção! Gasta-se errônea e desnecessariamente o dinheiro público. Que barbárie!

 
Conter é diferente de acolher. Conter nos remete à repressão, conter é reprimir, um ato executado de qualquer maneira independente do resultado, das condições do paciente, pior, nesse caso, porque é do domínio público a situação geral de precariedade do dependente de crack. Nessas condições, portanto, os policiais que usarem “taser” não poderão alegar desconhecimento de que poderia provocar o resultado letal, portanto, responsável dolosamente pelo resultado advindo da contenção equivocada!

 
Por outro lado, acolher nos remete a compromisso. Sim! Compromisso com o próximo, com alguém que não se encontra, no momento em que sofre a agressão, em pleno domínio de sua integridade física mental e psicoemocional. Acolher quer dizer receber incondicionalmente, para posteriormente destinar ao tratamento mais adequado.

 
Ninguém está interessado se o Estado irá arcar, obviamente, com a indenização pela vida perdida, porque o que estamos presenciando no Brasil é uma perversa inversão de valores. O Poder Público que é responsável em preservar as vidas, equivocadamente, dá ordens e libera armamento capaz de tirar vidas, e pior, dos menos favorecidos.

 
Um exemplo recente de um caso fatal da utilização desse tipo de armamento foi o do estudante brasileiro Roberto Laudísio Curti, perseguido por policiais na Austrália e morto após receber disparos de armas de choque. Segundo os investigadores, Curti teria ingerido uma pequena quantidade de LSD momentos antes do ocorrido (Globo.com). Pelo que acompanhamos pelas mídias o jovem em questão tinha condição financeira e vigor físico, mesmo assim não suportou o impacto do choque. Imagina o que poderá ocorrer com nossos debilitados dependentes de drogas de baixa renda?

 
Temos informações de que no Morro de Santo Amaro, na zona sul da cidade, ocupado por 150 homens da Força Nacional desde maio desse ano, as armas já são usadas contra os viciados. A ideia é que elas sejam usadas apenas em “casos de extrema necessidade”. Deixar essa avaliação subjetiva ao policial, mormente, em uma fase em que a polícia trabalha estressadíssima não é em nada coerente com a vida.

 
Os especialistas paulistanos, grupo ao qual me incluo, criticaram severamente o uso da “taser” contra os dependentes químicos por acreditar que o foco deve estar voltado  para a saúde pública ou privada. E o diretor do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp, o renomado Dartiu Xavier da Silveira, por exemplo, considera a prática “abominável”, já que, segundo ele, não se pode esperar que alguém pare de usar drogas sendo agredido. O argumento do respeitado Xavier faz todo o sentido além de ser um oportuno apelo humanista.

 
Porém, o que se nota, é que a política de guerra às drogas continua sendo a equivocada aposta do Brasil, um país no qual parcelas da polícia já são truculentas e cometem excessos (surge a possibilidade de ocorrerem fatalidades como na Austrália).

 
Um programa nacional de combate às drogas é o mínimo que os cidadãos brasileiros esperavam do Governo, não um programa qualquer, que pelo absurdo das propostas passa a lamentável ideia de banalização da epidemia de drogas que continua a assolar o Brasil.

Essas medidas propostas pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) demonstram pouco envolvimento dos verdadeiros especialistas, ausência da imprescindível preocupação com os menos favorecidos, falta de compromisso do Governo Federal na busca de soluções adequadas para socorrer o país e evitar mais mortes de inocentes ao invés de gastar o dinheiro público inadequadamente. Atitudes com essa não facilitará sua resolução e, pior, poderá ainda gerar delicadas e perigosas consequências, em especial às pessoas de baixa renda.

 
Conceição Cinti. Advogada e educadora. Pós-graduada em Gestão de Pessoas. Especialista em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de mais três décadas. Pesquisadora e colunista do Institutoavantebrsil.com.br e outros renomados sites.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Conselho Nacional de Justiça versus Adolescentes em conflito com a lei e cumprimento das medidas socioeducativas.




 

*Conceição Cinti

Recente notícia encheu-me de esperança: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/22146:%20resolucao-vai-uniformizar-normas-para-sistema-socioeducativo. Unanimemente, o plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou proposta de resolução que dispõe sobre normas gerais para o atendimento, pelo Poder Judiciário, aos adolescentes em conflito com a lei no âmbito da internação provisória e do cumprimento das medidas socioeducativas.

Alegra-me saber que o CNJ, órgão controlador da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário (art. 103-B, CF), preocupa-se com a realidade drástica a que são submetidos os menores em conflito com a lei.

Há tempos tenho defendido a tese de que algo urgente precisa ser feito para a melhoria de condições no atendimento desses menores.

Em vários textos já publicados, aponto fatores decisivos na total incapacidade de o sistema atual ressocializar o adolescente em conflito com a lei.

Mas destaco, dentre as medidas da resolução do CNJ, a recomendação para que os tribunais de Justiça promovam, no prazo de um ano após a publicação da resolução, cursos de atualização e qualificação funcional para magistrados e servidores com atuação em matéria socioeducativa, devendo o currículo incluir princípios e normais internacionais aplicáveis.

É exatamente disso que precisamos quando se fala da atuação do Judiciário, junto a estes menores!

Há muitos anos em contato com Juízes e Promotores de Justiça da Vara da Infância e Juventude, sempre buscando estabelecer uma relação verdadeira e confortável com esses nobres pares, tenho me deparado com a grande angústia que eles vivenciam no trato diário com o infantojuvenil e também com instituições voluntárias que atuam na mesma área.

 
Sempre compreendi a grandeza da missão do Juiz e do Promotor de Justiça, principalmente quando atuam na via estreita por onde trafegam crianças e adolescentes de baixa renda em situação de risco ou confronto com a lei. Quem ousa trafegar por essa via experimenta turbulências e constrangimentos de toda ordem, na tentativa, quase sempre vencida, não obstante justa, de garantir direitos e liberdades a esses desvalidos, quase nunca compreendidos e muito menos respeitados.

 
Estabelecer e manter pontes com todos que labutam nessa árdua empreitada, deveria ser a meta de todos. Lamentavelmente, na prática, os relacionamentos entre os órgãos responsáveis pelo menor e as entidades sem fins lucrativos que também se dedicam à mesma causa são tensos, com pouco diálogo e, pior, desrespeitoso.

 
É do conhecimento público que são exatamente essas instituições sem fins lucrativos, as denominadas comunidades terapêuticas, as pioneiras no tratamento de dependentes em substâncias psicoativas. Essas abnegadas entidades têm estreito relacionamento com a delinquência juvenil, uma vez que o dependente de baixa renda (em regra, a população alvo dessas entidades), dificilmente não se tornará um delinquente. Eles têm Know Haw na restauração de pessoas. Portanto, ao invés de desacreditados não seria recomendável ativar o diálogo entre ambos, determinar a troca de experiências na busca pela ressocialização do menor de baixa renda em confronto com a lei?

 
Já apontamos, em outra oportunidade, falhas existentes no âmbito do Conselho Tutelar. Acreditamos que alguns fatores impedem o bom desenvolvimento do trabalho por parte dos conselheiros. Leia mais em: O nó da inclusão: anomalias do Conselho Tutelar, disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/22960/o-no-da-inclusao-anomalias-do-conselho-tutelar e Quem disse que menor em confronto com a Lei não vai preso?, disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/22902/quem-disse-que-menor-em-confronto-com-a-lei-nao-vai-preso.

 
Mas além do mau desenvolvimento das atividades junto aos menores, desempenhado pelo Conselho Tutelar, há ainda outro nó, apontado por mim, que impede a inclusão do menor, qual seja: a falta de preparo por parte dos operadores do Direito envolvidos no tratamento dos menores em conflito com a lei.

 
Os operadores do direito na área criminal podem testemunhar o quanto é difícil o acesso ao menor cumprindo medida socioeducativa de privação de liberdade. Quem opera nessa área que já não sentiu quão embaraçoso é enfrentar a burocracia desses “Depósitos”, para ter acesso e garantir direitos a esses relegados.

 
A severidade com que o Poder Judiciário atua na fiscalização do desempenho das instituições sem fins lucrativos que trabalham com menores não é a mesma usada pelo Poder Público na aferição dos desmandos ocorridos em seus próprios “Educandários”, que se constituem em meros depósitos de crianças e adolescentes como se fossem números e não seres humanos. E não há como a sociedade civil ter acesso às barbáries ali praticadas porque o MP e o Juiz da Vara da Infância e Juventude dificultam qualquer possibilidade de controle externo. Com todas as vênias devidas, no meu entendimento a única ponte que possibilitaria não só a visibilidade da real situação do menor em confronto com lei no país seria a possibilidade do controle externo que se coaduna com a justiça, a liberdade, o direito humanista, base do regime democrático em que vivemos. Carece de reparo urgentíssimo por parte do CNJ.

 
Há entidades inidôneas? Há, sim, gente desonesta em todas as áreas. Mas a maioria das entidades que labuta nessa área é séria e merece mais respeito. Porque fazer filantropia nessa área é muito difícil e eu até arriscaria dizer que é função para abnegados voluntários vocacionados. Entretanto, com frequência essas entidades são desrespeitadas, mormente, as de cunho religioso.

 
Por quê? Se o Estado é laico. Por que se a ciência por si só não da conta de equacionar a complexidade do ser humano, fornecendo os meios adequados e eficazes de como se deva tratar o menor em confronto com a lei?

 
A crença religiosa, muito embora seja um direito constitucional garantido à pessoa, na pratica é banalizada, quando não desmoralizada , desacreditada.

 
E neste ponto sempre indaguei: se esses desencontros acontecem no meio de Juízes e Promotores de Justiça, que representam o ápice de toda a estrutura que conduz as políticas públicas para o nossos menores, dá para termos uma ideia do que ocorre nos demais órgãos e instituições relacionados às crianças e adolescentes?

 
Jovens Promotores, Juízes e seus servidores públicos optam pela área de humanas. Mas raramente eles se sentem preparados para o trato com crianças e adolescentes, principalmente no início da carreira quando são jovens e imaturos. Em verdade, a formação deles é exclusivamente voltada para o crime e a pena, pouco sabe sobre a complexidade do ser humano, do delinquente. Fato que se agrava, e muito, quando o delinquente é uma criança ou adolescente, seres em construção e que, por essa razão, requerem mais.

 
A maioria desses jovens doutores são  provenientes de famílias de classe média ou média alta. Não conviveram com a miséria, conhecem a realidade do mundo do crime apenas na teoria, poucos sabem sobre a adversidade que enfrentam essa categoria de pessoas, e o conhecimento que detém sobre eles é apenas teórico. Em razão disso tudo, o que trazem na bagagem sobre conhecimento humano, generosidade e compaixão pelo próximo receberam dos pais. E às vezes não receberam o suficiente para libertá-los do preconceito e da indiferença com o destino do diferente, do desconhecido e esse fato poderá ser um peso negativo em suas decisões.

 
Daí a fundamental importância da medida que pretende adotar o CNJ com os cursos de atualização e qualificação funcional!

 
Não posso deixar de aproveitar a oportunidade, ainda, para lembrar   de frases brilhantes que marcaram a belíssima passagem da Min. Eliana Calmon pela corregedoria do CNJ.

 
Dentre esses preciosos dizeres  destaco: “o Judiciário vive gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga”.

 
Qual o meu objetivo em lembrar  de Calmon nesta oportunidade?

 
Ela entrou no CNJ e, destemida, revirou reprováveis condutas de quem deveria dar o exemplo na sociedade.

 
De pessoas assim que o país precisa!

 
Bom seria, se com a iniciativa deste mesmo CNJ, agora à frente do não menos corajoso Joaquim Barbosa, houvesse também uma visibilidade sobre o que realmente acontece com os menores em confronto com a lei, para que a sociedade pudesse, a partir do conhecimento desta realidade, fazer um controle externo.

 
Chamo de um possível controle externo a possibilidade (hoje inexistente) de a sociedade civil acompanhar de perto o tratamento dispensado aos menores que são entregues à Justiça e às entidades de atendimento.

 
Em minha jornada, exaustivamente fui impedida de acompanhar menores, de visitar menores e mesmo de saber qual o procedimento seria adotado com um menor que, pego em conduta desaprovada, era levado sabe-se lá para onde para ser tratado sabe-se lá como!

 

Bom seria, se o CNJ não apenas incentivasse juízes a participar de cursos de capacitação, mas que ordenasse uma abertura para a sociedade civil dos portões de fundações em que os menores são abrigados, para que soubéssemos como eles estão sendo “ressocializados”.

 
Bom seria, se o CNJ pudesse punir aquele magistrado que, pouco se importando com o futuro de um menor, entrega-lhe a um ambiente no qual ele não está preparado para sequer defender sua integridade física.

 
Bom seria se OAB fosse convidada a fiscalizar de perto a execução das medidas socioeducativas.

 
Bom seria se fossem ouvidas as vozes destes menores que são torturados e mortos, sem qualquer oportunidade de escolha por uma vida saudável e digna.

 
Bom seria se o CNJ pudesse nos ajudar em mais este avanço na sociedade brasileira. Bom seria!

 
Conceição Cinti. Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes em Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas. Pesquisadora e colunista do www.institutoavantebrasil.com.br e outros sites renomados.