quinta-feira, 24 de maio de 2012

Pernambuco: presídios controlados pelos presos

Recomendo a leitura desse excelente artigo com emoção porque conheço a situação carcerária de Pernambuco desde 1963.
     

LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*

Pesquisadora: Mariana Cury Bunduky**


Ocupando a 10º colocação dentre os estados mais encarceradores do país, com uma taxa de 287,40 presos para cada 100 mil habitantes (análise realizada pelo Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes, com base nos números do DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional), o estado de Pernambuco possui uma “cultura carcerária” ilegal peculiar.

De acordo com o retratado pelo Mutirão Carcerário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), realizado entre janeiro de 2010 e janeiro de 2011, quem controla as prisões pernambucanas são os próprios presos; um costume antigo e até “eficiente”, que conta com o aval do próprio Estado.

Em Pernambuco situa-se o maior presídio do país: Aníbal Bruno, descrito no Relatório do Mutirão como uma “cidade medieval”. Com capacidade para 1.400 detentos, o estabelecimento abriga cerca de 5 mil presos. Nele, são os próprios detentos que possuem as chaves das celas e controlam quem entra e quem sai dos recintos.

Ali o controle do Estado é mínimo e os agentes penitenciários são poucos. Como uma espécie de “tradição carcerária”, um dos detentos, conhecido como “chaveiro”, em geral processado ou condenado por homicídio, é quem legitimamente controla e ordena o presídio, recebendo, para isso, um salário mínimo do Estado. É ele também quem define o responsável pela venda de drogas no estabelecimento.

São os próprios presos que igualmente cuidam do comércio de alimentos nas 14 cantinas criadas no presídio, na qual os vendedores ambulantes são os próprios reclusos.  Aos domingos, a unidade recebe visitantes (que entram livremente no local), chegando a assemelhar-se a um bairro em confraternização.

Não bastasse esta “desordem organizada”, o sistema carcerário de Pernambuco também padece de uma absurda superlotação, dada a ineficiência judiciária do estado.

Na casa prisional de Palmares, foram encontrados 540 detentos onde cabiam 74. Já em Iguaçu, havia 2.363 detentos numa unidade planejada para 426 presos. Em todos os locais, os presos tinham que dormir no chão, nas calçadas, corredores, buracos e até em um canil.

O Mutirão constatou ainda que 85% dos 18,3 mil processos analisados não continham cálculo de pena dos presos. Em meio a esse caos, 956 presos receberam o benefício da liberdade condicional.

Assim sendo, de forma comodista e temerária o estado pernambucano compactua com a transferência de suas responsabilidades àqueles a quem deveria tutelar, controlar e fiscalizar.

Comentários do Professor Luiz Flávio Gomes:
O que acontece nos presídios de Pernambuco (assim como em alguns territórios dominados pelo tráfico, no Rio de Janeiro, por exemplo) é que se chama de Estado Paralelo, que não se confunde (evidentemente) com o Estado de Direito nem com o Estado de Exceção. No Estado de Direito há um conjunto normativo (normas legais, constitucionais e internacionais) que rege o funcionamento da sociedade, sendo aplicado pelo Estado. No Estado de Exceção o grupo que está no poder (legítimo ou ilegítimo) afasta a vigência das regras jurídicas relacionadas com os direitos e garantias fundamentais. Suspende a vigência dessas regras, aplicando outras, totalmente contrárias ao que determinam os comandos normativos do Estado de Direito.
 No Estado Paralelo algumas pessoas governam determinado território conforme suas regras. Criam as regras, delimitam o território e comandam o funcionamento dessa microsociedade conforme seus desejos ou ordens (ou caprichos). Essa é a situação dos presídios (ou de alguns presídios) de Pernambuco, conforme constatação do CNJ.

A questão grave que está por detrás de tudo é a seguinte: que legitimidade tem a jurisdição (o trabalho dos juízes) nesses locais governados pelos Estados Paralelos? Se os juízes sabem que estão mandando pessoas para esses locais, por que continuam fazendo isso, sem nenhuma contestação? Por que os juízes não se rebelam contra o sistema carcerário caótico que temos? Até quando esses juízes (há exceções honrosas, claro) serão responsáveis ou coniventes com essa situação de degradação profunda do ser humano?

Por que os juízes brasileiros em geral (há exceções dignas de encômios) aceitam a barbárie em lugar de lutar pela civilização? Por que não tentam (coletivamente) mudar essa cultura da depravação e da humilhação? Por que os juízes não lutam pela preponderância do Estado de Direito assim como das regras mínimas (ao menos) da convivência democrática? Até quando seus olhos ficarão vendados? Por que não criam jurisprudências e atitudes alternativas, conformes com os ditames reinantes nos povos mais civilizados? Em vários momentos históricos muitos juízes (da execução) se negaram a cumprir decisões judiciais que mandavam as pessoas para as cadeias? Enquanto os juízes brasileiros não se rebelarem, de forma consciente e civilizada (deixando para trás a barbárie, apoiada democraticamente pela maioria da população, consoante um inconstitucional populismo) nada se pode esperar em termos de mudança de cultura.
Vamos continuar falando e escrevendo sobre o tema, mas sem a expectativa de qualquer mudança. Porque a solução só pode advir dos juízes evoluídos, que terão que tomar uma decisão contramajoritária, mas civilizante (e necessária). Sem o apoio massivo dos juízes nossas vozes são vozes que gritam no deserto. São os únicos que podem (corajosamente) mudar a situação caótica e profundamente infame dos nossos presídios.

Durante vinte anos na Itália (como bem recorda Iñaki Rivera), os juízes dotados de grande coragem e refinada preocupação com a cidadania, se negaram em muitas ocasiões a executar sentenças condenatórias, diante das horripilantes e degradantes condições que ofereciam as instituições carcerárias daquele País. Não se pode imaginar outra atitude dos juízes brasileiros, para alterar o panorama da infamante e degradante situação brasileira. Mas esse movimento terá pouco êxito se for isolado. Os juízes devem atuar coletivamente nessa empreitada duríssima de civilizar nossos costumes e tradições (de total desrespeito às vítimas e aos presos, que são vítimas do cruel sistema carcerário nacional).

*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes e co-diretor da LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me no facebook.com/professorLFG, no blogdolfg.com.br, no twitter: @professorLFG e no YouTube.com/professorLFG.
**Advogada e Pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.


 

domingo, 20 de maio de 2012

Drogas Sintéticas


*Conceição Cinti 

Segundo estimativas recentes o tráfico de drogas continua sendo a primeira economia ilícita do mundo. É um agitado mercado, criminoso, mas um mercado que se movimenta e se renova na mesma velocidade que os demais mercados desse mundo globalizado. Fazem parte desse mercado as drogas naturais, as drogas semissintéticas e as drogas sintéticas.

Drogas naturais são obtidas através de determinadas plantas, animais e alguns minerais. As drogas semissintéticas são produzidas a partir de drogas naturais quimicamente alteradas em laboratórios.

Drogas sintéticas são fabricadas em laboratórios, exigindo para isso técnicas especiais. Assim sendo, drogas sintéticas são substâncias ou misturas de substâncias exclusivamente psicoativas produzidas através de meios químicos cujos principais componentes ativos não são encontrados na natureza. A grande maioria dos fármacos consumidos para todos os fins são sintéticos, bem como aditivos alimentares e os cosméticos.


Por todo o mundo, inclusive no Brasil tem se registrado um crescimento espantoso da popularidade e do consumo das drogas sintéticas como, por exemplo, o Ecstasy, cientificamente denominado MDMA C 3,4 – metilenodioximetanfetamina que é uma substância química pertencente à família das anfetaminas, que tem propriedades estimulantes e alucinógenas. Inicialmente sintetizado na Alemanha desde 1912 para ser um supressor do apetite, mas tendo apresentado alterações do estado de consciência difíceis de ser controlados, por essa razão passou a ser considerado uma droga poderosa e perigosa e seu uso terapêutico proibido.

Muito embora o uso de drogas sintéticas esteja intimamente ligado a discotecas, raves, e haja deliberada tendência de associa-lo a um objetivo recreativo e de diversão porque estas substâncias são consideradas como facilitadoras da comunicação, assumindo um papel determinante na interação desenvolvida naqueles espaços elas oferecem muito risco à saúde porque a maioria dessas substâncias tem toxidade altíssima e na prática são consumidas quando ainda são desconhecidos os componentes do seu principio ativo. Consumidas ainda, predominantemente em contextos recreativos, tendem a extravasar para o cotidiano como forma de suplantar as experiências negativas prometendo ilusoriamente apenas enorme prazer, euforia, diversão sem causar a síndrome de abstinência.
A droga sintética associada aos cenários de lazer e diversão parece inofensiva e liga-se a outro elemento essencial, a música que, através das ações psicotrópicas das substâncias ingeridas, pode ampliar ou reduzir os efeitos ao nível da expressão, motricidade, sentidos e afetividades.

Recomendamos a leitura do Livro “O Universo do Ecstasy”, de Susana Henriques, onde dentre outras descobertas poderemos constatar que as novas músicas para pista como “ House”, Trance, Dub,  de uma maneira geral estão fortemente conectadas ao consumo do Ecstasy (e demais drogas sintéticas) é poderá potencializar os efeitos dessas drogas.

Enquanto o crack é uma droga extremamente isoladora e em geral seu uso apresenta baixo interesse sexual, aquelas drogas são para uso coletivo e seus efeitos duradouros. A consequência mais grave registra-se a nível cerebral e comportamental, seus efeitos produzem-se no SNC, nos nervos periféricos e no sistema cardiovascular, provocando euforia, diminuição da fadiga e do sono e poderá aumentar o desejo sexual. As drogas sintéticas também são alucinógenas, estas substâncias provocam também sensação subjetiva de intensidade da atividade mental, alteração das imagens corporais, menor distinção entre si mesmo e o que o rodeia, apura os sentimentos de empatia, aumento da tensão arterial, da glicemia e da temperatura, e se em excesso colapso cardiovascular e convulsões.

Todavia, é criado todo um clima de magnetismo envolvendo as drogas sintéticas no intuito de fazer os jovens acreditar que essas drogas são menos prejudiciais ao organismo e causam menos dependência. Mas tudo isso é engodo. As drogas sintéticas apresentam inúmeros malefícios ao organismo são muito mais perigosas porque os componentes do seu principio ativo são desconhecidos, ainda será objeto de analise para sua posterior identificação. Esse fato acarreta um prejuízo que pode ser letal para o usuário que para se beneficiar do uso da terapêutica mais adequada, terá que aguardar a identificação das substâncias que foram manipuladas. Pesquisas apontam para graves problemas de saúde ou morte.

Em recente relatório publicado pela União Europeia, a cada semana uma nova droga sintética é criada no mundo. No Brasil nos últimos cinco anos, apenas sete substâncias foram identificadas e declarada droga, mas existem muitas substâncias circulando pelo país que ainda não podem ser chamadas de drogas. O maior problema para as autoridades é que cada nova substância precisa ser classificada como controlada ou proibida e cadastrada pela ANSIVA para ser considerada droga. Antes desse procedimento que segundo a ANVISA leva em média dois meses é que uma substância poderá ser considerada uma droga ilícita e passível de apreensão e criminalização. Esse fato favorece o comércio ilegal das drogas sintéticas e consequentemente, protege e dar mais liberdade para operacionalização ao traficante dessa categoria de drogas, lamentavelmente.


Recomendamos também o Filme “PARAÍSOS ARTIFICIAIS”, que mostra dentre outras coisas que as drogas sintéticas cativam cada fez mais os jovens brasileiros. O diretor do Filme Marcos Prado após estudar o tema durante três anos chegando a uma conclusão importante, mas não surpreendente para quem trabalha na área de prevenção e restauração de vidas disse: “Falta muita política de prevenção de danos neste país... Falta política de informação para jovens”.

Marcos prado ficou sabendo da existência da droga 2CB há um ano, mas somente a semana passada a polícia de Florianópolis conseguiu apreender e registrar a existência no Brasil, e até que o 2CB seja classificado como substância perigosa e ilícita cadastrada pela ANVISA, outras novas drogas já estarão nas pistas de dança e nas ruas FAZENDO VÍTIMAS.

A rotatividade desse mercado criminoso em lançar novidade, lamentavelmente é mais veloz que os instrumentos de controles do Governo. Ou seja, falando de outra forma: Falta o básico, falta material humano para realizar a prevenção, a apreensão, a classificação e o cadastramento pela ANVISA, falta material humano suficiente para o enfrentamento nas fronteiras, a restauração de vidas e promover a ressocialização nos presídios. Essa é a realidade do Brasil!

*Conceição Cinti. Advogada. Educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas. 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Somente a transparência da Lei se impõe contra o arbítrio

* Conceição Cinti

Em 2006 através da Lei 11.343 o Brasil despenalizou o uso de drogas livrando do cárcere o usuário. Todavia, apesar do progresso legal a falta de regras claras continuam a penalizar os desfavorecidos economicamente e, sobretudo negros, exatamente, as pessoas que terão dificuldades para contar com a presença de um advogado na prisão por trafico, se não vejamos: A refida lei no seu art. 28 diz: “Para determinar se a droga destina-se ao consumo pessoal o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais”... Operadores do direito conhecem o funcionamento do sistema de nossa justiça criminal e sabem que o exame das “circunstâncias sociais e pessoais” além de inaceitável discriminatória é uma lacuna para mandar o pobre para o cárcere e resguardar quem tem condições de pagar um advogado. Conforme o “Psicoblog” a partir da análise de 667 autos de flagrantes de tráfico de drogas foi constatado que 84% dos presos não tiveram assistência jurídica no momento da prisão.

O Brasil tem hoje a quarta maior população prisional do mundo. Segundo o DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), dos 513.802 brasileiros presos contabilizados em junho de 2011, 117,143 (ou seja, 23%) estão sendo processados ou já foram condenados por Tráfico de Entorpecentes ou Tráfico Internacional de Entorpecentes. O Tráfico de Entorpecentes é o crime que mais encarcera no Brasil. Pesquisas demonstram que a maior parte desse contingente é de primários, presos em flagrante sem portar arma e sem vinculação com organizações criminosas. Ou seja, estamos abarrotando os presídios com usuários e “pequeno traficantes” estão sendo processados como “grandes traficantes” cujas prisões em nada contribuem para diminuir os níveis de violência e criminalidade.

O combate ao uso e ao tráfico de drogas não pode restringir-se ao desenvolvimento de medidas de políticas criminais. As drogas devem ser encaradas como problemas de saúde pública e de regulação social, não de justiça criminal. Ao invés de continuar banalizando a endemia que assola o país e encarcerando milhares de pequenos traficantes a um custo altíssimo, o papel do Estado deveria ser desenvolver uma política racional de redução de danos do uso das drogas, restauração de pessoas, concomitantemente, com campanhas esclarecedoras inteligentes e sistemáticas de prevenção sobre os riscos do consumo abusivo de drogas, incluindo as legais, como álcool e tabaco.

Somos pioneiros com Know Haw em tratamento de dependente em SPA. Temos os melhores talentos da publicidade, Vontade política para resolver o problema, verba alocada suficiente e especificamente para esse fim. Por que tanta lentidão? Paradoxo? Não. Dê sua opinião. participe!

*Conceição Cinti. Advogada. Educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de três décadas.