sábado, 29 de setembro de 2012

A evasão escolar: causas e soluções


Segundo estudo feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o trabalho infantil, o fracasso escolar, as desigualdades sociais e a baixa renda familiar são alguns dos fatores determinantes para a evasão escolar.

Cerca de 3,7 milhões de crianças e adolescentes entre quatro e 17 anos de idade estão fora da escola no Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/2009). Muitos são os fatores que cooperam para a evasão escolar. Problemas provocados dentro da própria escola, como a repetência escolar - motivada muitas vezes pela a falta de dinâmica dos professores e pelas condições precárias das escolas, que por sua vez são esquecidas pelos governantes federais, estaduais e municipais. Dificuldades de acesso à escola, inexistência de transporte público, falta de espaço físico adequado, de mobiliário, de material didático básico, de merenda escolar são também aspectos importantíssimos no sentido de manter o aluno dentro da sala de aula.

No mundo globalizado em que vivemos, a inclusão digital das crianças e adolescentes de baixa renda é um fato que não pode ser banalizado porque se constitui em uma severa excludente, que tem contribuído para que o jovem se marginalize precocemente e deixe a escola.

Há 12 anos, eu já recebia na Escola Restaurativa para atendimentos, meninos e meninas que, diante da impossibilidade de ter um computador, praticava o furto somente para ter acesso a uma “Lan House”.

Através de um levantamento estatístico específico provavelmente iremos constatar que o número de prisões por esse motivo continua aumentado, sobretudo nas pequenas cidades, em razão da ausência de políticas publicas para dotar os espaços escolares com tecnologia de ponta. Por outro lado, a Publicidade reforça a necessidade de se “ter” produtos de última geração, invadindo e encantando o imaginário social de forma que o incauto infanto-juvenil se vê na obrigação de se inserir nesse contexto a qualquer preço.

O Proerd - Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência, não é o mais adequado para auxiliar a escola a resolver os problemas da violência, apesar da boa intenção dos militares. Educador é educador. E Policial é Policial. Ambas as profissões são importantes no contexto social, mas cada uma tem uma missão própria dentro da sociedade. A Polícia Militar tem toda uma formação para uma destinação especifica. Os educadores têm outra formação e outra destinação.

Dentro das escolas públicas municipais e estaduais não há dependentes químicos. Em minha opinião, a presença da PM na condição de educadores, ao invés de atrair o jovem dependente ou que está prestes a entrar em confronto com a Lei, provoca a evasão desses alunos, que jamais buscarão a ajuda da escola. E nós sabemos que o elo imprescindível para uma sociedade sadia é a escola e a família. Data vênia, não é a escola e a polícia, por mais bem intencionada que esta esteja.

Segundo o professor da Unifesp, Dartiu Xavier, estudos americanos já mostraram a ineficiência do Proerd. Então, por que continuamos importando esse modelo? Acredito que isso se deve ao fato de não termos alternativa. Além disso, o programa conta com um excelente marketing. Pesquisas comprovam que projetos dogmáticos, com ensinamento de cima para baixo, não funcionam. Um modelo único não é eficaz, já que devemos levar em conta as características das pessoas que serão atendidas, as especificidades de cada comunidade, faixa etária e classe social. O que dá resultado para adolescentes e adultos jovens são os modelos participativos. O importante mesmo é promover a interação entre os alunos e focar na promoção da saúde e da educação. Não basta falar que usar substâncias psicoativas faz mal à saúde. Isso pode despertar ainda mais a curiosidade desses jovens.

Tive a oportunidade de verificar “in loco” o que diz Xavier, principalmente nas cidades do interior onde as pessoas de baixa renda são facilmente constrangidas por aqueles de detém qualquer tipo de poder. A presença policial nas escolas poderá até trazer a sensação de mais segurança aos professores - o que reconhecemos ser um direito de todos previsto em lei -, mas reduz a possibilidade da escola acolher os jovens dependentes de substâncias psicoativas ou os que estão na iminência de praticar ato infracional. Essa parcela de jovens não podem ser excluídos do contexto escolar! Pelo contrário, se a escola se colocar como catalizadora da confiança desses jovens, serão multiplicadas as chances de encaminhá-los para um futuro melhor.

Nesse sentido, vejamos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB9394/96) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A legislação prevê que esgotados os recursos da escola, a mesma deve informar o Conselho Tutelar do município. Há, portanto, uma hierarquia a ser seguida na árdua tarefa de evitar a evasão escolar, na qual o recrutamento da polícia militar não está previsto.

Aos professores, o Poder Público deve melhores salários, condições de trabalho dignas, capacitação e treinamento, para que aprendam a lidar com esse novo perfil de aluno sem abrir mão de suas seguranças. Acredito que o ideal hoje, dentro das escolas, seja a presença de uma vigorosa equipe multidisciplinar composta por psicólogos, assistentes sociais e líderes capazes de atender a essas demandas. Acredito que os conflitos entre alunos, alunos e professores, professores e familiares de alunos, são existenciais e não devem extrapolar o território escolar e familiar.

Para que haja uma convivência pacífica no ambiente escolar, é necessário que haja uma boa estrutura física, assim como um corpo docente capacitado e engajado em promover a unidade da escola através da excelência na prestação de cada serviço prestado. É importante ainda a criação de escolas em regime integral que ofereçam aos jovens oportunidades de formação profissional, com cursos de ponta que se coadunem com o atual mercado de trabalho. Ainda, que ofereça pelo menos duas opções de curso de línguas e capacitação digital. Assim, teremos condições de não apenas prevenir, mas de capacitar meninos e meninas de baixa renda a terem condições reais de competir por um futuro melhor.

Que o esporte, a cultura e o lazer façam parte dessa malha interdisciplinar da Educação Restaurativa, onde o entretenimento seja garantido como uma forma mais ampla da inclusão social desses jovens alunos. Há verba para isso, há pessoas vocacionadas e preparadas para isso. O que está faltando é a vontade politica.

Recentemente - se é que podemos chamar de recente um fato que já vem acontecendo há quase duas décadas -, penso que podemos enumerar o recrutamento de crianças e adolescentes pelo tráfico de drogas como o principal fator da evasão escolar. Ou seja, essa “nova” e perversa modalidade de “trabalho infanto-juvenil”, que insere o jovem como agente ativo do tráfico (na embalagem e distribuição de drogas, e até como soldados do tráfico colocado no “front”) não é confessada. Isso é algo real e foi denunciado pelo rapper MV Bill em seu elucidativo documentário “Falcão e os meninos do Trafico”. Apesar de demonstrar a chocante realidade em que vivem as crianças e adolescentes de baixa renda, nenhuma providência foi tomada pelas autoridades competentes. Ainda no mesmo documentário, podemos constatar que muitos jovens começam a trabalhar no tráfico para ajudar no orçamento da família – muitas vezes pela ausência da figura paterna-, e terminam morrendo precocemente.

Uma pergunta não quer calar: por que continuamos importando modelos inoperantes? Por que insistimos por décadas em práticas que têm se mostrado ineficazes, como os programas utilizados pelo Governo na restauração e na ressocialização dos jovens em confronto com Lei? Tudo o que temos produzido nas últimas três décadas é a dizimação dos jovens de baixa renda - o que venho denominando e denunciando de “ O Holocausto Brasileiro”. A Educação Restaurativa é o único caminho capaz de oferecer a esses meninos e meninas a chance de ter futuro mais digno.

* Conceição Cinti. Advogada. Educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas. Colunista do www.institutoavantebrasil.com.br. Siga-me www.educacaorestaruativa.blogspot.com.br

 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Presídio para dependentes químicos: erro crasso!


LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*

CONCEIÇÃO CINTI**

Noticia-se que o Governo do Estado do Rio Grande do Sul estaria idealizando a construção de um presídio exclusivo para dependentes químicos. Essa é a expectativa do secretário da Segurança Pública, Airton Michels, durante a apresentação do projeto piloto da penitenciária que pretende "racionalizar, humanizar e dar mais eficácia à recuperação de presos viciados em drogas", mas também "mudar a cultura da construção de cadeias no país", combinando segurança com tratamento. “Não é producente que usuários de drogas fiquem presos sem receber tratamento”, diz Michels, que considera o projeto pioneiro no país e espera que ele se torne um padrão para a construção de novas cadeias.

O Centro de Referência para Privados de Liberdade Usuários de Álcool e Outras Drogas (como a unidade foi batizada) será destinado para pequenos traficantes do regime fechado. “É aquele usuário que entrou para o tráfico apenas para sustentar o seu próprio vício e, em muitos casos, acaba cometendo outros delitos, como pequenos furtos”, explicou Michels.


Fonte:http://www.growroom.net/board/topic/47055-governo-do-estado-pretende-construir-presidio-para-dependentes-quimicos-em-2013/Pensamos que o Governador Tarso Genro deva vetar isso imediatamente. Onde encontramos explicação para o fato de um Governo gastar milhões de reais na construção de mais um presídio, que sabidamente constitui a universidade do crime? No populismo penal, que é a política criminal posta em marcha no nosso país nos últimos 30 anos. Acredita-se cegamente que o presídio constitui a solução para a criminalidade.

Fundada nesta lógica encarceradora, só resta descobrir o inimigo comum coletivo que deve ser eleito para superpovoar os cubículos do extermínio. É preciso que o escolhido preencha o protótipo daquele ser violento que ameaça a segurança individual e coletiva, protótipo esse bem delineado pela mídia. Eleito o inimigo, está justificado todo tipo de investimento em políticas de segurança pública, que fica muito aquém do custo de implantação de uma verdadeira política preventiva. A política de endurecimento das normas de natureza penal e do incremento do corpo de agentes públicos de repressão fomenta o engrandecimento do aparato repressivo, tanto no âmbito estatal como também no privado: mais pessoas investem mais dinheiro em segurança, alarmes, cercas elétricas, câmeras, trancas e armas. E o governo investe dinheiro em presídios, viaturas, policiais etc.

Resultado dessa política: em 1980 tínhamos 11,7 mortes para cada 100 mil pessoas contra 27,3 em 2010. O Brasil se tornou o campeão mundial em encarceramento (de 1990 a 2011, mais de 400% de aumento) e a violência só cresceu! Por que insistir numa política claramente falida?

O Brasil não está necessitando de mais prisão, sim, de mais educação, mais escolas. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que se o Brasil crescer 4% ele necessita de novos 95 mil engenheiros todos os anos. Mas de acordo com a Associação Brasileira de Ensino de Engenharia em 2010 foram formados apenas 41 mil engenheiros. Necessitamos, como se vê, é de mais engenheiros, pesquisadores, professores, tecnólogos, gestores, profissionais nas áreas de metalurgia, siderurgia, automação, petróleo, assistentes sociais etc. É disso que o Brasil necessita. Cadeia deve ficar reservada exclusivamente para os criminosos violentos perversos. Fora disso, educação, escolas de período integral obrigatório, com internação compulsória nessas escolas em algumas situações (dos desviados, dos criminosos não violentos, incluindo-se os de colarinho branco etc.).

Com a expansão desmedida do crime, e suas variedades, o Governo não tem alternativa que não seja focar na educação e na ressocialização. Cadeia é cadeia, escola é escola. Não devemos mandar para aquela, quem está necessitada desta (e não oferece perigo para a sociedade). Não é exagero falarmos não apenas na ressocialização, mas na busca pela ressocialização mais adequada a cada categoria de internado (nas escolas). Assim, conciliaríamos a devida punição estatal com a idealizada ressocialização do desviado (pobre ou rico, observando que mesmo os ricos sempre têm muita coisa que aprender: solidariedade, menos individualismo, menos consumismo, mais filosofia, mais de Deus, mais ética etc.), que deve se conscientizar do seu erro e não mais delinquir. Somente dessa forma evitaríamos o desperdício do dinheiro público (que hoje é jogado fora com a agravante de ainda treinar o criminoso amador para se converter num profissional).

A ressocialização, que é um direito do desviado menor ou maior, garantido pela lei, inexiste na prática e essa é, sem dúvida, a razão da reincidência que provoca cada vez mais violência e mortes.

A pena é uma punição sim. Trata-se da resposta do Estado, que detém o direito de punir aquele que descumpre a lei. Mas a aplicação da pena sem o caráter pedagógico só permite barbáries e mortes. A pena não tem que ser cumprida necessariamente em cadeia. Internação em escola também pode significar cumprimento de uma sanção, porém, com a conotação de educação.

Voltando a falar mais especificamente sobre a pretensão do Governo do Rio Grande do Sul em construir presídios para melhor acolher o dependente químico, por mais elogiável que seja a intenção, não nos parece a mais adequada. Achamos temerário inovar nessa área tão complexa, quando sabemos que no país há um segmento que tem Know Haw com êxito em dependência química que são as Comunidades Terapêuticas.

As Comunidades Terapêuticas, pouco difundidas, porém proativas há mais de quatro décadas, prestam um relevante serviço à sociedade e precisam ser ouvidas para evitarmos perda de tempo e de recursos públicos.

Temos mais de 2000 (duas mil) unidades dessas Comunidades espalhadas pelo Brasil, algumas urgentemente carecendo de adequação no espaço físico e inclusive de complementar suas equipes multidisciplinares, sem que haja verba suficiente para esses procedimentos.

Levando-se em consideração a epidemia por cocaína e crack que coloca o Brasil como o primeiro mercado consumidor dessas drogas, e que as referidas drogas, mormente o crack, velozmente altera a personalidade e transforma seres humanos proativos em pessoas repulsivas, não seria mais apropriado se investíssemos em programas restaurativos já comprovadamente bem sucedidos?

Quando falamos sobre a necessidade de ouvir a Comunidade Terapêutica do Brasil é porque além do êxito obtido por meio dos seus programas há um requisito muito precioso na composição dessas equipes multidisciplinares que atuam dentro dessas comunidades: a vocação!

Sem abrir mão do imprescindível conhecimento técnico cientifico as equipes multidisciplinares que atuam nessas comunidades costumam valorizar a vocação para lidar com pessoas que faz a diferença no processo de restauração de vidas.

Restauração de pessoas dependentes em substâncias psicoativas pode ser definida como um processo, difícil, dispendioso, demorado e doído, porém perfeitamente possível, principalmente quando conduzido por quem tem familiaridade nessa área.

*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me:www.professorlfg.com.br.

** Conceição Cinti – Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas e colunista do www.institutoavantebrasil.com.br e do www.justocantins.com.br.

 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

JUSTIÇA RESTAURATIVA X EDUCAÇÃO RESTAURATIVA






*Conceição Cinti

 

A Justiça Restaurativa, também designada de cultura da paz, é constituída por meio de procedimentos que aspiram à conciliação entre vítimas e agressores em crimes menos ofensivos.

O alvo da Justiça Restaurativa é promover o diálogo entre infrator e vítima. É conduzir o infrator à reflexão sobre as consequências lesivas produzidas por sua conduta delituosa à pessoa da vítima e a si mesmo, abalando também o contexto social, e oferecer a ambos uma chance de dar às suas condições de vidas outro rumo e dessa forma contribuir para a pacificação social.

A vítima, por sua vez, terá oportunidade de superar o trauma causado pelo delito e de se livrar da amargura que, em regra, tende a se transformar em ódio (doença emocional), que poderá se tornar crônica, infiltrando-se na mente e irradiando para os pensamentos e sentimentos. Esse ódio, quando contido, represado, pode provocar muitas doenças (inclusive câncer) e desencadear outras patologias. Quando não administrado adequadamente, esse tipo de sentimento redunda quase sempre em tragédias, fato que a sociedade infelizmente parece já estar se acostumando a ver todos os dias nas manchetes da mídia populista.

Os sentimentos merecem maior atenção dos pais, educadores e poder público porque o crime, em regra, é o resultado de um trauma gerado por algum tipo de sentimento que foi banalizado, não tratado.

Nosso interesse na Justiça Restaurativa consiste no fato de que ela não objetiva apenas a reparação do dano ou da ofensa, mas também a busca de uma solução do conflito pelo diálogo, cujo objetivo é desfazer a cultura da guerra, da revanche, da vingança e construir uma pacificação que começa de dentro para fora, sarando feridas psicoemocionais, sem, no entanto, deixar de questionar a eficácia da aplicação da medida punitiva prevista para a infração (ato infracional ou infração penal) cometida e garantir sua aplicação. Dentro deste contexto, a medida punitiva (o castigo proporcional) é pedagógica e altamente terapêutica.

O ponto forte e importante na Justiça Restaurativa (JR), na nossa avaliação, é o seu compromisso de persuadir o infrator da necessidade de mudança por meio da reflexão e análise do seu comportamento destrutivo e conduzi-lo ao entendimento da sua conduta delituosa e, assim, permitir-lhe a oportunidade de mudanças que darão ao seu destino outra dimensão. É justamente nesse ponto que a JR se ajusta como luva à Educação Restaurativa.

Não vejo outra saída para a violência que temos presenciado, principalmente entre jovens de baixa renda, que não a via da Educação Restaurativa. Nos programas de restauração de pessoas dependentes em SPA e ou delinquentes, que dirijo a mais de três décadas, recorri às praticas restaurativas intuitivamente, como acredito que tenha acontecido com milhares de outras pessoas no Brasil e no mundo.

Diálogo, arrependimento, perdão, disciplina, garantia da reparação da lesão ou do crime são os elementos fundamentais da JR, que tem alcançado êxito e propiciado o retorno da harmonia na comunidade de origem da ofensa ou do delito.

O que denomino de Educação Restaurativa é a utilização de um conjunto de ensinamentos (conhecimentos) que pertencem a outras disciplinas, formando um conteúdo multidisciplinar, novo, cujo objetivo é atender o ser humano como um todo, visando e focando no equilíbrio mental, psicoemocional, espiritual e também físico da pessoa da vitima, do ofensor e da própria comunidade.

          Dentro deste contexto também são utilizadas as técnicas da Inteligência Emocional e o estudo das diferentes faces que formam a personalidade. Estas informações ensinadas ao ser humano lhe permitirá reforçar seus talentos e exercer o controle na gestão dos seus impulsos e ter domínio sobre as emoções, base das grandes tragédias. Entretanto, em minha opinião dentro do contexto da JR, não há tempo hábil nem espaço físico apropriado para uma reflexão mais profunda indispensável para analise e cuidados dos traumas mais profundos com vistas a suas soluções, fato que seria perfeitamente possível dentro da Educação Restaurativa que, ao invés de ser uma sequência predeterminada de procedimentos administrativos como acontece na JR teríamos melhores condições de analisar e trabalhar mais profundamente os conflitos existenciais e suas causas dentro de um ambiente escolar através da imprescindível ajuda multidisciplinar dando ênfase a disciplina como matéria da grade do currículo da ER sem no entanto esquecer as matérias humanistas.

Também faz parte desse currículo restaurativo, na formação do SER, princípios espirituais tais como o amor, tolerância, alegria, paz, generosidade, benignidade, bondade, constância, mansidão e domino próprio. O conjunto desses ensinamentos humaniza o Ser Humano. Transformar vidas de perversos e pervertidos.

É possível! Por mais que, para muitos, pareça uma proposta repulsiva e até fantasiosa.

Como já alertei, a JR vem sendo utilizada com êxito na reconciliação de vítimas e agressores em crimes menos ofensivos. Entretanto, em razão da experiência e intenso diálogo com colegas que atuam na mesma área, estou convencida de que a JR poderá ser utilizada também com êxito na maioria das modalidades de crimes, incluindo o delinquente adulto, desde que dentro do âmbito da Educação Restaurativa que oferece maior oportunidade em razão do leque de disciplinas e saberes que utiliza e da maior disponibilidade de tempo investido na capacitação de um novo modelo de viver e existir.

Acredito que a dificuldade de expansão da JR no país é uma questão cultural que precisa ser enfrentada. O brasileiro entende que justiça é vingança, revanche, punição extrema, dentre essas hipóteses, a justiça com as próprias mãos, a pena de morte e torturas fatos hoje incentivados pela mídia populista e admitidas pela nossa sociedade (nesse sentido, Zaffaroni e L.F. Gomes).

Também acredito que dentro do contexto escolar haja mais motivação que tem influencia direta na autoestima para aprendizagem de novo modelo de vida. A palavra presídio pelas suas próprias práticas já estigmatiza para sempre a todos quantos um dia passar por ele. Estamos ouvindo ruídos de que novos modelos de presídios serão construídos para abrigar infratores presos dependentes em SPA. Paradoxo? Diante da nova posição conferida ao dependente químico e das mudanças que advirão em razão da reforma do Código Penal é o que nos sugere à primeira vista a proposta dos referidos presídios.

Em minha opinião estamos precisando mesmo é focar na ressocialização, em especial da criança e do adolescente que sempre esteve bem aquém do que é proposto pela lei razão pela qual estamos presenciando deformações sociais e convivendo com um patamar de mortes inaceitáveis.

A ressocialização é um direito do preso menor ou maior garantido pela lei. A pena é uma punição sim, é a resposta do Estado, que detém o direito de punir, a quem descumpri a lei, mas sem o caráter pedagógico continuaremos a permitir barbáries e promover o que denomino de “O Holocausto Brasileiro”.

Estou certa que essa cultura vem ganhando espaço cada vez mais, devido à banalização do Governo com os Programas de Políticas Públicas de Ressocialização, por décadas inoperantes, verdadeiro instrumento de reforço à reincidência.

O objetivo principal do Estado deveria ser, não apenas a punição, mas a conscientização sobre o erro e a busca incessante e adequada da ressocialização e da inclusão do recluso na sociedade. O Governo, entretanto, se deixa levar pela pressão da sociedade (poder econômico) e também pela mídia populista e deixa de cumprir seu papel primordial de gerir para o bem de todos a parcela da nossa liberdade que lhe foi cedida com o objetivo exclusivo de que fosse assegurando o bem de todos sem fazer acepção de pessoas.

A inexistência de uma ressocialização operante tem sido a causa dos desmandos, torturas, e mortes, muitas mortes de crianças e adolescente o que denomino de “ O Holocausto Brasileiro” e precisa ser resolvido como prioridade para que possamos nos declarar uma democracia.

Sei que esse assunto é evitado e causa desconforto, porém entendo que essa bandeira precisa ser levantada e priorizada e de sua resolução aproveitará um país inteiro. Um coisa é certa: o Governo precisa cumprir seu papel sem se pautar pelo que acha os poderosos e a mídia populista para fazer cessar as mortes.

Parafraseando J. Kennedy: “o segredo do sucesso eu não sei, mas o da derrota é querer contentar a todos.” Enquanto o Governo não fizer sua parte e deixar de querer satisfazer apenas a vítima, jamais alcançaremos um patamar aceitável de mortes principalmente do infanto-juvenil.
 
*Conceição Cinti- Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes em Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décdas. Colunista do www.institutoavantebrasil.com.br , www.justocantins.com.br e www.brasildiario.com.br





 

 

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Comoção Operante


*Conceição Cinti

 

A acolhida da Rede Globo ao ex-jogador e hoje comentarista Walter Casagrande me fez lembrar a corajosa e humanista posição da direção do Clube “Boca Juniors” e do povo argentino com renomado craque Diego Maradona.

Merecida? Sem dúvida! Todo ser humano merece a chance de se Reabilitar.

Estender a mão a alguém no ápice da fama é a praxe, mas confiar a Seleção Argentina , a alguém que se encontrava tão fragilizada é mais que um exemplo de nobreza de um povo e uma lição que precisa ser repensada e incorporada por todos. O exemplo da Argentina sem dúvidas teve impacto entre nós quando a respeitável Rede Globo numa atitude semelhante de grandeza e solidariedade acolheu nosso ex-jogador do Corinthians Casagrande.

Maradona tem buscado manter a superação a todo custo. Não têm sido diferente os esforços de Walter Casagrande que se tornou inclusive palestrante junto às famílias e jovens sobre os danos e as tragédias provocadas pela dependência química principalmente nesse momento em que o país está epidêmico pela cocaína e o crack.

Considero a recaída um dos fatos mais temidos e mais frequentes no caso da cocaína e do crack, apesar de entender que a recaída faz parte do processo de restauração de um dependente em SPA. Mas é certo que os cuidados com as mudanças de hábitos e até de turma é um dos melhores antidotos e não podem ser negligenciados. A compulsão pela cocaína e o crack é uma das mais violentas e é preciso estar atento para se livrar das armadilhas.

Repito com frequência porque é uma verdade que precisa ser mais difundida que o Brasil tem Know How em tratamento em SPA, trabalho iniciado desde 1967 pelas Comunidades Terapêuticas. Ao longo dos anos o Terceiro Setor tem sido o maior responsável pelo acolhimento e tratamento desse segmento pela ausência do Estado que não acredita em restauração de pessoas.

De forma que esse trabalho com os dependentes em SPA tem sido tocado no varejo, e apesar de está alcançando excelente resultados porque vem sendo realizado por pessoas vocacionadas e que tem um grande respeito pelo próximo, mas não é suficiente para epidemia que o Brasil está enfrentando e o Poder Público tem que assumir sua responsabilidade junto a sociedade.

As empresas de um modo geral vêm aderindo cada vez mais e esse trabalho e esse fato é bom para todos: para o dependente que precisa de ajuda e para empresa que não perde seus investimentos nos funcionários recuperando e reintegrando os novamente ao mercado de trabalho.

Quem não puder ajudar não atire a primeira pedra!

*Conceição Cinti. Advogada. Educadora. Especialista em Tratamento de Dependente de Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas. Colunista do www.institutoavantebrasil.com.br

 

Urbanização e Educação como agentes preventivos da violência


“O raciocínio é simples. País que investe em educação, não precisa de tanto presídio. Porém, país que trata a educação e educadores sem prioridade, apenas no discurso e não na prática (como por aqui, nossos governantes são especialistas em fazer), aumenta a violência, caminha para a desigualdade social e escancara as portas para a injustiça social. (Luiz Flávio Gomes).

 
*Conceição Cinti

A urbanização utilizada de maneira adequada pode embelezar os espaços físicos e promover o precioso “upgrade” na autoestima das pessoas, podendo também ser um poderoso instrumento de segurança como, por exemplo, por meio de uma boa iluminação, de um bom serviço de limpeza pública, que facilite o direito de ir e vir das pessoas.

Nesse sentido, as condições de moradia oferecidas pelo Poder Público às famílias de baixa renda deveriam funcionar como agente inclusivo. Lamentavelmente, algumas delas não passam de verdadeiras “favelas oficializadas” porque são localizadas em áreas excluídas do meio urbanizado. Conjuntos habitacionais em diminuta metragem de área construída sobre um frágil alicerce (a um custo alto) que nem sequer permitem ao futuro proprietário sonhar com uma reforma digna.

 
Também não há preocupação por parte do Poder Público em preservar um espaço de uso comum para esses moradores, com estrutura adequada para a prática de esporte, arte, cultura e entretenimento. Parece até que ignoram o fato de essa ser a maior ferramenta de inclusão social, de promoção da autoestima e da cidadania. Alternativas poderosíssimas deprevenção à delinquência, que espreita com mais gula o mais carente.

Também não há vontade política de empreender esforços para dotar essas áreas denominadas “Conjuntos Habitacionais” de melhorias essenciais que agreguem algum valor como, por exemplo, agências de banco cujo perfil seja atender a maioria da população, supermercados populares, farmácias, igrejas e unidades do “Sistema S” (SESI, SENAC, SENAI, SESC, etc.) - que trabalham e primam pela excelência no que fazem. A solução para alavancar o desenvolvimento da população por meio da oferta de emprego e melhoria da qualidade de vida é simples, mas parece ser ignorada pelos governantes, que não criam políticas para facilitar o acesso dos investidores e empresários para que se instalem nesses locais.

Cabe ainda ao Governo oferecer serviços essenciais a esses locais como, por exemplo, Posto de Segurança (com veículo apropriado), Unidade Médica (com a presença de psicólogos, assistentes sociais e ambulância própria), Unidade Odontológica, capela, cemitério, telefonia pública e biblioteca. Sem falar na imprescindível arborização e serviço de limpeza pública seletiva, que além de oferecer segurança e bem estar à população, agregariam valor ao empreendimento. Tudo isso é perfeitamente factível, basta apenas vontade política.

 
A carência de vagas em berçários públicos nesses “Conjuntos Habitacionais” é outro fator que impede o desenvolvimento local, por muitas vezes impedir que as mães possam trabalhar sossegadas, sabendo que seus filhos estão sendo bem cuidados, alimentados e seguros.

 
A escola pública deveria funcionar em tempo integral a fim de oferecer ao infanto-juvenil além da grade curricular referente ao Ensino Fundamental e Médio, o ensino profissionalizante de ponta como demanda o mercado de trabalho.

 
Agindo desta forma, o Poder Público além de estar cumprindo seu dever para com os jovens, evitaria a arregimentação precoce desses meninos ociosos pelo crime organizado e reforçando o imprescindível elo entre a escola e a família, fortalecendo ambas as instituições.

 
Além de não termos uma educação de qualidade, ainda somos obrigados a assistir o Governo investir o dinheiro do povo na construção de mais presídios, ao invés de construir escolas. Segundo estudo realizado pelo Instituto Avante Brasil (www.institutoavantebrasil.com.br) a partir dos dados do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada houve expressiva queda no número de escolas brasileiras entre 1994 e 2009. Há 15 anos, existiam 200.549 educandários registrados. Já em 2009, esse número caiu para 161.783. Por outro lado, o número de vagas em presídios aumentou 450%, tornando o Brasil campeão mundial neste quesito.Tínhamos em 1994 apenas 511 presídios. Em 2009, esse número saltou para 1.806. E pasmem: seria necessário o dobro ou o triplo de vagas para comportar o número de presos brasileiros, em suas maiorias jovens, negros e pardos, de baixa renda e, quase na totalidade, analfabetos.

 
Qual o diagnóstico de um país que viu decrescer em quase 20%, em uma década e meia, o número de escolas e, no mesmo período, fez crescer em 253% o número de presídios? Essa é a pergunta de muitos especialistas, dentre eles, o renomado jurista Luiz Flávio Gomes, Doutor em Direito Penal pela Universidade de Madri e Mestre em Direito Penal pela USP. Para ele, esse é um triste sintoma de uma grave doença social.

 
Ao deixar nossos jovens isolados, diante da companhia da televisão, eles serão assolados pela publicidade que influencia o consumo do supérfluo, quando nem o básico lhe é garantido. Terão a horrível sensação de impotência e desesperança e, por não vislumbrar nenhuma perspectiva de futuro, facilita o descaminho dessa juventude frustrada ao invés de prevenir a sua marginalização.

 
As habitações populares, como já foi dito, ficam longe do acesso ao emprego e, portanto, os moradores das periferias são obrigados a enfrentar a tortura em que se constituiu a locomoção das pessoas de baixa renda, cada vez mais sem opção de transporte público decente. O precioso tempo que poderia ser compartilhado com a família é desperdiçado em detrimento da incapacidade física, mental e psicoemocional gerada pelo estresse.

 
Isso tudo, somado ao preconceito, à indiferença e injustiça imposta às pessoas de menor renda, tem causado graves feridas psicoemocionais que fazem grande diferença, principalmente no comportamento dos adolescentes, que são seres em fase de desenvolvimento.

 
Essa falta deliberada de planejamento dos Governantes muito colaborou para o alastramento das drogas em todo o País (sendo um exemplo clássico a implosão do Carandiru e a transferência dos presos para o interior do Estado, num apelo aleatório e político que não resolveu a violência da Capital e contaminou o interior de SP, que foi pego de surpresa).

 
Fato esse que dificultou ainda mais a já complicada situação dos jovens de baixa renda, que se viram de repente em meio a uma população de forasteiros à mercê da sorte, não tiveram da família, da escola, da sociedade nem do Poder Público a orientação devida e, em decorrência da carência afetiva comum entre crianças e adolescentes, esses jovens ávidos por pertencer a um grupo, onde imaginam ser respeitados e quiçá amados, passam a ser presas fáceis para os profissionais do crime e, sem opção, iniciam sua breve caminhada para a morte.

 
O raciocínio é simples. País que investe em educação, não precisa de tanto presídio. Porém, país que trata a educação e educadores sem prioridade, apenas no discurso e não na prática (como por aqui, nossos governantes são especialistas em fazer), aumenta a violência, caminha para não teremos uma estrutura decente, uma educação de qualidade e para todos. Notícias de pesquisas recentes apontam que precisamos de mais 90 presídios para acomodar a demanda de presos. Tudo continua como antes: o Brasil continuará erguendo cadeias, quando deveríamos era estar construindo salas e aula. Temos cada vez mais presos e cada vez menos escolas para a boa formação dos nossos jovens a desigualdade social e escancara portas para a injustiça social.

 
Existe previsão para ampliação dos presídios no país. Só em Rondônia que já tem uma população carcerária elevadíssima de 7,5 mil presos estão em construção mais três unidades. Entretanto não se escuta falar sobre o aumento de salas de aulas para aquele estado nem melhoria para as escolas existentes e seus mestres. Não seria a ampliação do horário escolar para regime integral a solução mais adequada prevenirmos e evitarmos a degeneração nossas crianças e jovens?

 
Vidas vulneráveis

 
Ainda segundo informações do Instituto Avante Brasil, o País conseguiu diminuir o número de mortes de recém-nascidos e prolongar a vida até a primeira infância, graças inclusive a alguns programas, conduzidos assertivamente pelo Terceiro Setor. Em especial, quero destacar o relevante trabalho da Pastoral da Terra, oportunidade em que não poderíamos deixar de fazer uma menção honrosa à saudosa e amada Zilda Arns. Tanto esforço empreendido para garantir a vida na primeira infância e, em um momento seguinte, perder para a violência das drogas e do crime organizado. Isso é lamentável.

 
Estudos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a situação da adolescência brasileira em 2011, revelam que a taxa de jovens (15 a 29 anos) assassinados a cada 100 mil habitantes, em 2009, foi de 43,2%, o que representa a morte de 19 de adolescentes e jovens por dia. Inaceitável!

 
No Brasil, nossas meninas também são as maiores vitimas dos crimes sexuais. De acordo com dados da Secretaria dos Direitos Humanos/Disque Denúncia, elas representam 80% das vitimas de exploração sexual, 74% das vitimas de tráfico de crianças e adolescentes, 79% das vitimas de abuso sexual e 73% vitimas de pornografia. Pelas estatísticas, comprova-se a alta vulnerabilidade das nossas crianças e adolescentes em várias modalidades de delitos.

 
Você entendeu o que vem sendo feito na prática às nossas crianças e adolescentes de baixa renda? Diante da gravidade das estatísticas cabalmente provadas, há um verdadeiro massacre de nossas crianças e adolescentes pela ausência do Poder Público, que deveria criar Politicas Públicas direcionadas a essas famílias, capacitando-as para exercer com responsabilidade o “Pátrio Poder” e Politicas Públicas de motivação as famílias e as escolas das vantagens em fortalecer o elo imprescindível para o fortalecimento de ambas como colunas no meio da comunidade. Além disso, promover um amplo e exaustivo debate com a sociedade civil a fim de conscientizá-la de que a postura do preconceito e da indiferença aos menos favorecidos tem Isso só causa o destrutivo “Efeito Boomerangue”, onde todos perdem.

 
Tem o Brasil autoridade para falar em acolhimento e inclusão de crianças e adolescentes em confronto com a Lei? É ou não um paradoxo esperar que o índice da criminalidade praticada por adolescentes seja reduzido sem que haja o investimento adequado, a obrigação do Poder Público?

 
Se informe. Participe! Uma sociedade organizada e informada é capaz de promover mais rápido as mudanças, essenciais para a preservação da vida em sociedade. A união é a força adequada para combater com êxito a violência contra nossas crianças e adolescentes, o que venho denominando de “O Holocausto Brasileiro”.


*Conceição Cinti. Advogada e Educadora. Colunista do Instituto Avante Brasil. Especialista em tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas.

sábado, 8 de setembro de 2012

Brasil é o segundo na lista de usuários de Drogas


* Conceiçao Cinti

 

O Brasil é o maior mercado mundial do crack e o segundo de cocaína

 
*Conceição Cinti 

O Brasil perdeu para os Estados Unidos em números de usuários de cocaína em pó e crack no ano de 2011. Foram 2,8 milhões de consumidores no país, contra 4,1 milhões dos EUA. Esses números são o resultado da recente pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas e Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad) e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que foi divulgada na página do Inpad na internet dia 05.09.12.
Apesar de intoleráveis, os dados apresentados não surpreenderam os profissionais que trabalham na área de Restauração de Pessoas Dependentes em Substâncias Psicoativas, pela ausência de novidades. Para esses operadores nunca houve nenhuma dúvida da existência no Brasil de uma rede bem estruturada para atender a demanda que ao longo dos anos vem crescendo assustadoramente e que segundo a referida pesquisa atingiu hoje mais de 3 milhões de usuários de cocaína e crack.

Para essa pesquisa foram ouvidas 4.607 pessoas com mais de 14anos em 149 cidades. Trabalho há mais de três décadas na área de restauração de pessoas dependentes em SPA e pude constatar que a partir do ano 2000 surgiu o envolvimento da criança ou adolescente na faixa etária de 12 anos chegando até 7 e 6 anos de idade. Elas nem sempre são contadas, mas têm sido vitimadas. Por essa razão acreditamos que se levarmos em consideração o usuário infantil os números poderão ser ainda maiores no que se refere ao consumo de crack por crianças de baixa renda.
 
Quanto ao acesso às drogas, a existência da distribuição feita através de uma rede estruturada em todo território nacional fez deste fato um facilitador que foi consolidado (no Estado de São Paulo e posteriormente seguido por outros estados), com a implosão do Carandiru e a inconsequente transferência dos presos sem nenhum planejamento para as cidades do interior. Fato que não resolveu a violência na Capital e esparramaram as drogas comprometendo o interiorano, em especial, o infanto-juvenil, que até aquele momento era uma criatura mais ingênua, presença desguarnecida, ao contrario dos adolescentes e jovens Paulistanos que por varias razões, inclusive de sobrevivência, precocemente se tornam pessoas mais sagazes.

Quando um especialista em SPA escuta falar em drogas, seja heroína (pouco usada no Brasil),cocaína, crack, merla, oxi ou até mesmo drogas sintéticas, se ele é mesmo um especialista o mínimo que ele tem que saber é se a droga já entrou no país quando e qual foi a porta de entrada.

Vejamos a questão do crack, que no último pleito eleitoral ocupou os palanques como se fora um recém-chegado; ele já está entre nós há mais que 20 anos e continua dizimando crianças e adolescentes de baixa renda.

Os mais sensíveis que me desculpem, mas estou convicta de que no Brasil a tragédia tem que vitimar primeiro os ricos para que providências sejam tomadas e delas aproveitem as pessoas de baixa renda. Isso é inaceitável, mas é o que acontece e está acontecendo agora com o crack, que lamentavelmente como qualquer outra droga não tem preconceito e se estabeleceu também nas classes mais abastadas da população.

Quanto à questão do dependente de cocaína, e em especial do crack, dizer que não quer ajuda é a mais pura verdade. O crack provoca um tipo de dependência perversa em minha opinião uma das mais severas. Costumo dizer que com o crack tudo anda velozmente, menos sua restauração.

Esse tipo de dependente tem uma subserviência absurda à droga. Pessoas inteligentes, competentes, educadas, higiênicas, num tempo recorde se tornam pessoas repulsivas cujo único objetivo é fumar, fumar, até exaurir suas energias.

Quanto à recidiva, a popular e temível recaída: em minha opinião ela faz parte do processo de restauração, principalmente no caso de usuários de crack. Mas a melhor notícia é que há uma saída para as drogas.
 
Costumo dizer que a restauração de vidas de pessoas dependentes em SPA é difícil, dispendiosa, doída e demorada. Não há como restaurar alguém com prazo fatal.

Falando serio: esse assunto drogas já deveria ter entrado em pauta nacional com prioridade máxima. Também não é mais um assunto engessado e da competência de uma única disciplina, como outrora sujeita apenas ao âmbito do direito. Também não é uma questão onde a ciência possa dar a última palavra, por uma razão muito simples; até hoje não há chá, comprimido, xarope, injeção, supositório, choque, acupuntura, cirurgia, procedimentos psicoemocionais que por si sós tenham trazido algum resultado com êxito.

Entretanto o Brasil tem Know Haw sobre esse assunto. As comunidades terapêuticas pouco citadas são as pioneiras no atendimento ao dependente químico desde 1967. No Brasil, mais precisamente, na cidade de Goiânia teve inicio o primeiro trabalho com esse segmento e com êxito. As Comunidades Terapêuticas conciliam com sabedoria ciência e espiritualidade, a espiritualidade compreendida como o Poder de Deus utilizado como instrumento para libertação das pessoas.

O que está faltando em minha opinião é humildade para que possamos sentar juntos e trocar ideias a respeito de tudo que possa ser somado a favor da vida dessas pessoas.

O terceiro setor vem perseverando nessa luta e se não fosse o atendimento no anonimato desses pioneiros estaríamos numa situação muito pior. Estamos na era da mediação, do dialogo e precisamos esquecer um pouco o status e fixar nossos esforços em devolver a saúde e evitar a morte dessas pessoas. Não há maior láurea que acompanhar a restauração de um ser humano, principalmente se esse ser humano for uma criança ou um adolescente.

 
Conceição Cinti, é advogada, educadora, especialista em Tratamento do Dependente em Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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