Constrangeu-me o coração ler no conceituado
Jornal Folha da Região/Araçatuba-SP notícia sobre a superlotação da Fundação
Casa (antiga FEBEM) em todo o estado de São Paulo. Lamentável a situação da
Unidade de Araçatuba. Mas o pior foi tomar conhecimento das declarações do
nobre representante do MP, Dr. Joel Furlan, quando comparou os quartos da unidade
de Araçatuba semelhantes a espaços reservados em presídios pra castigos de
presos por mau comportamento. Que em outras palavras é o mesmo que reconhecer
que os referidos quartos da Unidade Araçá são lugares inapropriado para menores
e inumanos.
Conheço
cada palmo daquela edificação. Visitava com frequência as obras em construção
daquele que eu sonhara pudesse vir a ser um educandário público exemplar.
Afinal, Araçatuba é terra de vocacionados restauradores de vidas. Apenas a
título de sugestão não seria bom ouvir estas pessoas? Convidá-los para
participar dos Programas da Fundação Casa?
Contudo,
sempre me questionei sobre a inadequação daquele espaço físico que apesar de
contar com generosos metros quadrados, não contemplou em sua planta espaços
específico para Educação, para a prática de esportes, cultura e lazer, nem
oficinas destinadas a cursos profissionalizantes.
Lá
de dentro se vê o céu ovalado pelo formato da edificação e de tão alto que são
os muros. Há ausência de arborização que priva os alunos do belo e salutar
contato com a natureza e que ainda lhes serviriam para atenuar o desconfortante
efeito causado pelas altas temperaturas própria daquela região a maior parte do
ano.
Tive
a honra de trabalhar com muitos Promotores e Juízes das Varas da infância e
Juventude de Araçatuba/SP e não só daquela região, mas de muitos estados do
Brasil. Aprendendo e compartilhando experiências, contribuindo sempre com o meu
melhor para constituir parcerias cujo único objetivo era somar esforços para
assegurar os direitos e garantias desses menores sem donos. Nunca compreendidos
e sempre discriminados.
Sou
pioneira em Araçatuba e Região em Restauração de Vidas, devo essa missão ao mui
digno Juiz aposentado, Luiz Galvão Chain, meu professor no curso de direito,
quando em 1975 me fez um convite para auxiliá-lo na assistência a menores
delinquentes.
Desde
a fundação da Instituição fui responsável pela gestão da equipe
multidisciplinar composta por profissionais da área medica assistente social,
e, o indispensável obreiro. O obreiro/monitor é uma criatura indispensável
dentro de uma equipe multidisciplinar. É uma espécie de referencia, professor,
confidente do recuperando, a pessoa de confiança do recuperando que abre
caminho para o restante da Equipe crie os preciosos vínculos, porque o monitor
é sempre alguém que teve uma profunda experiência no mundo das drogas, na
condição de dependente, conseguiu sua restauração e decidiu dedicar sua vida a
restauração de outras pessoas.
O
perfil do obreiro/monitor é de muita sobriedade, persistência, amoroso, mas
alguém articulado, escolado, pronto para interferir imediatamente, porque
conhece com profundidade toda a linguagem, expressão corporal, ambiência e
cultura do submundo do dependente e do tráfico. Por isso suas intervenções são
precisas e oportunas, o que dá conforto e maior segurança a toda equipe.
Iniciei
meu trabalho com adolescentes e depois trabalhei apenas com adultos, inclusive
fui a primeira instituição privada convidada pelo Comandante do então CPA 5,
Coronel Júlio Gomes da Luiz para assistir militares dependentes em SPA. Se não
fui a primeira no estado a assumir essa missão, pelo menos em Araçatuba e
Região fui a pioneira.
Depois
com o aumento de crianças a partir de seis, sete anos de idade comprometidas
com crack por solicitações das autoridades competentes fiz adaptações no espaço
físico da instituição e alterações na equipe para receber crianças e
adolescentes.
No
Esquadrão da Vida funcionava uma “escola de pais” cujo objetivo era fortalecer
a família, reforçar o imprescindível vínculo família versos escola e trazer os
pais para participarem diretamente da restauração de seus filhos, fato
importante e imprescindível para o êxito de uma restauração, mormente de
crianças e adolescentes.
Por
essa razão considero gravíssima a situação da Unidade de Araçatuba que tem
transferido menores para capital por dois sérios motivos: 1) Primeiro a
presença dos pais e familiares é de fato imprescindível durante e depois da
restauração do reeducando. Esses pais são treinados para compreender melhor
seus filhos, são assistidos para que possam superar algum trauma reciproco e
ensinados como devem proceder no retorno desse menor de volta ao lar. O menor
com o apoio dos pais ou familiares se encorajam e esse fato é de muita
importância para sua restauração. Esses menores também precisam contar com o
apoio da sociedade e das suas comunidades de origem.
2) a transferência de um menor do interior do Estado, mesmo levando em
consideração que o alastramento dos presídios pelo interior do Estado,
propiciou e facilitou uma maiorconvivência desse menor com adultos
delinquentes, ainda assim não há como comparar a sagacidadedo menor que está
familiarizado com a FEBEM São Paulo, com o menor do interior que cai de
paraquedas em São Paulo. Esse
menor já adentra aquela Instituição em total desvantagem: por não pertencer à
mesma turma, será mais cobrado, “zoado” e as chances de morrer precocemente são
infinitamente maiores que qualquer mudança de comportamento para melhor.
Promotores
e Juízes das Varas da Infância e Juventude precisam ficar mais atentos porque
não são eles em hipótese alguma apenas meros encaminhadores de menores de baixa
renda e em confronto com a Lei a Instituições Governamentais. Principalmente, o
MP da Vara da infância e Juventude que é o responsável pela indicação ao Juiz
da medida que ele julga mais apropriada para cada caso concreto devem ser
corresponsáveis diretamente quando sugere e é acatada pelo Juiz essa
transferência do menor, para os cuidados do estado, no caso de delinquentes
adultos, eles não são tutelados pelo Judiciário, o que acontece no caso de
menores.
Essa
transferência pura e simplesmente, que na pratica sabemos que os procedimentos
após a transferência são meros atos administrativos e ninguém fiscaliza e
confere a real situação em que de fato esse menor é colocado. Esse menor ao ser
transferido da esfera do judiciário precisa continuar com um amparo real de
fato e de direito para evitar mais mortes, porque explicitamente não consta da
Lei a pessoa responsável pelo morto, quando esse morto se perde na burocracia
da justiça e do Estado esse morto não tem dono explicitamente determinado,
ele vira cadáver e ninguém responde por nenhuma possível atrocidade que esse
menor venha a ser vitima. Esse filme temos assistido ao longo dos anos e
precisa mudar.
E a Instituição Casa
tem o dever de propiciar todos o recursos necessários para que possamos
assegurar aos nossos jovens segurança de vida uma vez que ficam à mercê do
Governo na condição de tutelados para ser ressocializado, o que não tem
ocorrido ao longo dos anos e é imperioso uma releitura dos velhos métodos que
mais têm cooperado para reincidência, mortes, sob pena de estar contribuindo
para o que venho denunciando e denominando de "O holocausto
Brasileiro", com índices inaceitáveis de mortes de nossos jovem que chegam
ao patamar de 11 jovens por dia!
A equação
para solucionar o problema do menor, de baixa renda em confronto com a lei
parece complicada porque esses menores sempre foram vistos e continuam como um
número a mais e não como cidadãos de direitos. Também o preconceito se
constitui num entrave para que restauração de pessoas não seja declarada como
um fato real e possível declarada explicitamente pela Sociedade e Poder publico,
e, predomine sobre o consciente social. Mas é perfeitamente possível e começa
pela educação de base, respeito e dignidade pelos seres humanos, mormente,
crianças e adolescentes seres ainda em construção.
*Conceição Cinti. Advogada e educadora.
Especialista em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com
experiência de três décadas. Pesquisadora e colunista do site www.institutoavantebrasil.com.br e outros
renomados sites.