quinta-feira, 11 de julho de 2013

Itaquerão pode ser mais útil a sua comunidade



                                         Fonte: Internet

* Conceição Cinti.

Propostas de investimento em grandes obras públicas não faltam no Brasil, e pelo jeito, investimentos desse caráter em obras privadas, também não. É compreensível que recursos públicos sejam destinados a projetos que irão beneficiar a sociedade, mas o que dizer da destinação de verbas públicas para empreendimentos particulares? É verdade que algumas iniciativas privadas têm beneficiado a população do local onde estão instaladas, mas esse não é o seu escopo, por isso é preciso que estejamos bem atentos às distintas proporções entre os ganhos designados às iniciativas privadas e os benefícios destinados à população, em especial aos moradores de baixa renda do local do empreendimento.
Um exemplo prático e atual para que possamos refletir é o recente investimento da Prefeitura Municipal de São Paulo no Estádio de Futebol do Clube de Futebol Corinthians, o já famoso Itaquerão. As exigências da FIFA para que o estádio sedie os jogos da Copa do Mundo de 2014 culminaram na necessidade de construir o Itaquerão, que custará ao todo R$ 820 milhões, sendo R$ 462 milhões oriundos dos cofres públicos, segundo matéria divulgada pelo Portal de Notícias R7 no dia 26 de junho de2013. O valor correspondente à isenção é suficiente para construir 14 hospitais com 150 leitos cada um, de acordo com a notícia do R7, o que amenizaria o precário atendimento médico oferecido à população, uma vez que constantemente faltam leitos e vagas nas UTIs dos hospitais locais.
Mesmo se tratando de um dos times mais festejados e ainda que esse investimento esteja sendo feito através da isenção fiscal do terreno onde está sendo construído, é imprescindível considerar diversos fatores, dentre os quais considero de grande importância avaliar a realidade socioeconômica dos cerca de3,3 milhões de moradores ali concentrados, segundo dados do site oficial da Prefeitura de São Paulo, e os benefícios que eles terão com determinada construção ou atividade. Afinal de contas, nesse caso, o dinheiro público está sendo utilizado para um fim privado, que da forma como está planejado em nada contribuirá para as transformações sociais que a região reclama com urgência. Como se trata de dinheiro público, salvo melhor juízo, o custo versos benefício não me parece autorizar essa liberalidade. Trata-se de uma região com grande deficiência de escolas, creches, hospitais, segurança dentre muitas outras necessidades que por certo vem em primeiríssimo lugar. Devo registrar que em uma administração séria quando o dinheiro é escasso para cobrir demandas prioritárias precisa ficar muito claro o que é prioritário para a população e o que é necessário. O investimento prioritário é aquele que a comunidade não pode mais renunciar, o que não é o caso em questão.
Se apelarmos um pouco para o bom senso perceberemos que mediante as condições de vida dos moradores do Distrito de Itaquera, que compõe a região Leste de São Paulo, provavelmente a construção de um estádio de futebol naquela área não seria prioridade. Apesar de ser um ambiente de entretenimento, um estádio destinado unicamente para assistir a partidas de futebol não contribui para o desenvolvimento social e humano dos moradores nem para a transformação que aquela comunidade necessita imediatamente, tendo em vista que o Itaquerão está sendo construído em uma das áreas mais pobres da capital paulista: a zona leste. A região concentra índices de desenvolvimento humano e social muito abaixo do considerado ideal em virtude da negação de direitos básicos, como educação, saúde, segurança, lazer e cultura. Sem falar do baixo nível de escolaridade da maior parte da população, da falta de emprego e da sobrevivência através de subempregos, e principalmente dos altos índices de violência. Lá também está localizada a Fundação Casa, unidade de cumprimento de medidas socioeducativas com constantes denúncias de torturas e maus tratos aos socioeducandos. Essa problemática também deveria ser alvo de investimentos para se alcançar a recuperação de tantos adolescentes.
É nesse espaço de alta vulnerabilidade social que apenas pequenos grupos irão se beneficiar, como estão se beneficiando alguns com a valorização de áreas próximas ao Itaquerão. Contudo, ainda há tempo de reverter essa situação em prol da sociedade como um todo. Talvez o mais apropriado não seja um pedido de anulação das doações, conforme está sendo providenciado por zelosos Promotores Públicos (muito embora a intervenção do Promotor seja louvável porque é em defesa do interesse público), mas quem sabe fosse mais apropriado tentar que os investimentos já firmados sejam revertidos em benefício da sociedade. Por que não aproveitar a construção para estruturar, anexo ao estádio, um complexo esportivo, cultural e profissionalizante, onde toda a comunidade, em especial crianças, adolescentes e jovens, poderá usufruir de diversas modalidades esportivas, atividades artísticas e culturais, além decursos profissionalizantes? E antes de colocarmos empecilhos à sugestão de adaptação do projeto, lembremos que hoje em dia, no âmbito da construção civil e da arquitetura e com imprescindível vontade política, tudo é possível. Basta que os nossos governantes assumam a responsabilidade que têm com a população, em especial com a parcela mais vulnerável.
É preciso acreditarmos que a educação, o esporte, a cultura e a profissionalização são meios eficazes para prevenir a violência e restaurar vidas. No entanto, não basta implementar atividades de forma assistencialista, sem haver reponsabilidade e compromisso com a formação humana e cidadã das pessoas atendidas pelas atividades oferecidas. No âmbito da profissionalização, uma sugestão é buscar parcerias com o Sistema S, que oferece cursos profissionalizantes de qualidade em todo o Brasil, com certificação garantida, o que possibilita ainda mais a empregabilidade dos profissionais assistidos pelos cursos. O Sr. Paulo SKaf, presidente do Fiesp de São Paulo e candidato à governador do Estado, com certeza teria muito a contribuir com a criação e estruturação dos cursos profissionalizantes e de qualificação profissional com base no mercado de trabalho, melhorando a qualidade de vida da população local. Enfim, diversas são as possibilidades de tornar obras pouco úteis para a sociedade em meios de formar seres humanos e cidadãos com direitos garantidos e consequentemente homens e mulheres mais dignos.
Não é concebível que em tempos de grandes manifestações por mudanças sociais em nosso país, gastos exorbitantes de dinheiro público sejam articulados de maneira tão escancarada e investidos em obras que não trazem nenhum benefício para a comunidade. Os gritos nas ruas devem impedir atitudes minimamente refletidas que resultam em desperdício de dinheiro público, valores estes suficientes para garantir educação, saúde e outros direitos fundamentais para se viver com dignidade. A liberalidade concedida através da prefeitura e do Estado, através do BNDS, precisará ser empregada de uma forma que venha de fato contribuir para aumentar o índice de desenvolvimento humano. O poder público não pode brincar de administrar o dinheiro público, fruto do suor das pessoas de baixa renda que arcam com uma carga tributação das mais pesadas do mundo e o retorno quase sempre vem na contra mão das necessidades dessa gente sofrida.


* Conceição Cinti é advogada e educadora. Precursora da Educação Restaurativa, com experiência de mais de três décadas em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas e Delinqüência Juvenil. Palestrante e colunistas de alguns sites renomados. Autora do www.educacaorestaurativa.org.


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