segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Celulares versus Presos


De acordo com o STJ, a posse de telefone celular pelo reeducando preso quebra regra básica da execução penal, qual seja, sua incomunicabilidade com o mundo exterior (HC 64.442/RJ).
No sentido desta orientação é que desde 2007 (com a Lei 11.466/07), a Lei de Execução Penal considera falta grave ter, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.
Vergonhosa essa Jurisprudência e um grande equívoco legislativo a Lei 11.466/07, que impõem a todos os presos o regime da incomunicabilidade com o mundo externo no cumprimento da pena privativa de liberdade, generalizando e igualando todos os presos numa mesma categoria: a de pessoas perigosas à segurança nacional.
Essa proibição generalizada fere o princípio do verdadeiro sentido da ressocialização porque, conforme elucidaremos neste texto, impedir a comunicação com o ambiente externo, dificultando o contato do preso comum com seus familiares, compromete diretamente a ressocialização.
Em recente pesquisa do IAB, o Dr. Luiz Flávio Gomes indicou Brasil e Noruega em situações diametralmente opostas nos índices de reincidência. Enquanto em nosso país a taxa de reincidência chega a 70%, na Noruega o índice de reabilitação é de 80%! (Fonte: http://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/direito-criminal/artigo-prof-luiz-flavio-gomes-noruega-como-modelo-de-reabilitacao-de-criminosos).
Como alterar esse quadro? Em verdade, há MUITO a ser melhorado. Falta vontade política, mas o caminho não é desconhecido: é preciso melhorar os espaços nos presídios, garantir educação, profissionalização, prática esportiva bem como inserir nestes ambientes a ministração dos princípios do Cristo (que quebranta o coração e humaniza as pessoas)... Enfim, há uma série de providências que o Estado tem obrigação de fazer, sabe e não faz. E não age porque é mais fácil suprimir direitos daqueles que não possuem representatividade. 
Neste contexto de direitos que são inobservados pelo Estado e que se constituem em verdadeiros obstáculos à recuperação do preso, a interação com a família há de ter destaque central. O apoio familiar é altamente pedagógico e constitucionalmente garantido (assistência familiar – art. 5º, LXIII, CF/88). Daí defendermos o uso do telefone celular pelos presos.
E notem, não estamos falando do uso do telefone pelo preso para acesso a contatos ou práticas delituosas, que coloquem em risco a segurança da nação, estamos falando sim do simples uso do telefone para o acesso do preso à família, nos moldes assegurados pela Constituição Federal.
Não há dúvidas que é preciso assegurar, a qualquer custo, a incomunicabilidade do preso que representa perigo à segurança nacional. Temos assistido com frequência que, de dentro dos presídios, essa categoria de pessoas por meio do telefone celular, articulam-se e comandam externamente não apenas o riquíssimo mercado das drogas e das armas, mas também exercem influência direta nos crimes organizados.
No entanto, essa categoria de pessoas não representa a maior parte da população carcerária. Sabemos que o perfil do preso brasileiro é de uma pessoa passível de recuperação e que precisa de auxílio moral para se recuperar. São pessoas que necessitam medidas que os beneficiem no processo ressocializador, e não de medidas que dificultem esse caminho de restauração.
Repito, o perfil da grande maioria da população carcerária não oferece perigo à segurança nacional a justificar o rigor da Lei 11.466/07, impondo a incomunicabilidade a todos, indistintamente.
Ocorre que para o Poder Público, o preso não tem qualquer valor. É alguém sem direito a nada, que pode até ser morto dentro do presídio, que necessariamente precisa passar por humilhações porque para essa categoria de pessoas, a pena é um mero castigo, revanche, vingança e o criminoso é um ser “lombrosiano”, um irrecuperável.
Até mesmo os espaços físicos prisionais no Brasil favorecem essa forma primitiva de pensamento, o que na prática, sabemos, é a lei que impera nos presídios e educandários brasileiros, com raríssimas exceções.
Entretanto, não é esse o papel do Estado, não pelas leis brasileiras!
Lembremos que, de acordo com nosso ordenamento jurídico, a pena é sim uma punição para que o infrator. Mas a punição deve ser resposta estatal imposta de maneira que o delinquente possa ser conduzido a refletir através de um programa de políticas públicas de restauração de vidas, a analisar a repercussão do mal que sua conduta delituosa causou à vítima e à sociedade, levando-o ao arrependimento e a reaprender outra forma de pensar e viver através da ressocialização. Este é o real objetivo da pena. E apenas dentro desse contexto o caráter punitivo da pena é válido e pedagógico.
Sabem os estudiosos e bem informados que a cultura da vingança favorece apenas a mídia populista que além de faturar com a desgraça alheia, dissemina o ódio que contamina a sociedade e a faz acreditar que não existe recuperação de pessoas, fato que é perfeitamente possível, desde que haja vontade política.
Tratamos da questão do uso do celular nos presídios. Um fato complexo, polêmico, mas que precisa ser abordado, porque é uma realidade em todos os presídios (talvez com exceção nos de seguranças máxima onde ficam os presos perigosos do país) e precisa ser enfrentado e encaminhado de outra forma, para que principalmente os pais dos presos pobres não sejam penalizados.
A jurisprudência justifica a medida no fato de que a posse de telefone celular, por exemplo, facilitaria a gestão de negócios ilícitos dentro e fora dos presídios. Logo, por questões de segurança plenamente justificáveis, o condenado que cumpre pena no sistema carcerário brasileiro fica totalmente incomunicável com o mundo exterior pelo meio telefônico.
No entanto, se analisarmos a referida jurisprudência com a seriedade dos que buscam o direito, a igualdade e a justiça social facilmente concluiremos que se trata de mais um dos "vergonhosos arranjos legais", na tentativa de justificar a ineficiência do Poder em Público em bem aplicar a lei: lei que ordena um cumprimento de pena individualizado (art. 5º, XLVI, CF).
Ora, se o Estado disponibilizasse de agentes em número suficientes e, se esses agentes fossem capacitados, teríamos um sistema carcerário com pessoas cumprindo estritamente a pena a que foi condenado, junto de outros indivíduos nas mesmas condições. Em outras palavras, se o Estado cumprisse a lei, seria possível separar por categorias de crimes e de periculosidade cada indivíduo que adentrasse no sistema carcerário. Assim, os altamente perigosos receberiam tratamento compatível, sem necessidade de impor aos demais, condições desnecessárias de extremas privações.
Aos delinquentes de baixa periculosidade, o Estado deveria ofertar condições para sua recuperação. E sabemos que os laços afetivos com a família são preciosos e corroboram a ressocialização. Nunca se precisou tanto de reforçar os vínculos afetivos das famílias como agora. 
Embora o artigo 41, X, da LEP garanta ser um direito do preso a visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados, muitas vezes essa visita não acontece pelas razões econômicas e sociais. Há famílias pobres que residem no norte do país e tem seus filhos presos no sul, ou noutros Estados, o que inviabiliza toda a possibilidade às visitas desses pais aos seus filhos e ainda não poder falar ao celular é uma tortura imposta não mais ao preso, mas também às mães e pais.
Quando o Estado decidiu implodir o Carandiru (e não o fez por motivo nobre, nem por questão de segurança ao Paulistano, mas quis apenas criar um fato político/eleitoreiro), contaminou todo interior paulista espalhando as drogas, facilitando o acesso ao uso de armas de fogo e servindo lamentavelmente de modelo para o resto do país e não baixou o índice de violência e morte na capital, pelo contrário aumentou. A maior concentração do efetivo das polícias fica exatamente na Capital - São Paulo, portanto o Governo quando decidiu espalhar os presos pelo interior já sabia que não teria pessoal em número suficiente para atender a demanda. Nesse momento, ninguém questionou a dificuldade das famílias dos presidiários! Ora, não é inconstitucional retirar do preso seu direito assegurado por lei de cumprir a pena nas proximidades de sua comarca?
Ocorre que não importa o comprometimento da ressocialização pela ausência da família de baixa renda, que constituem a grande maioria da realidade carcerária. Afinal são apenas pessoas presas porque cometeram delitos e são irrecuperáveis, a mídia não vai pressionar,  a sociedade vai se sentir até grata e aliviada, não é?
O Brasil é um país imenso e se o Governo tivesse agido com estratégia, respeitando seus cidadãos, utilizando-se do serviço de inteligência da polícia especial e com logística, toda a sociedade lucraria e teríamos evitado esses índices inaceitáveis de drogadição, violência e mortes.
Agora, se o Estado não tem competência para gerir com êxito o preso e suas famílias (sempre os de baixa renda), eles não podem, nem devem ser mais uma vez punidos com a impossibilidade de se comunicarem!
Desta forma é que sustento a possibilidade da comunicação via telefone celular dos presos com suas famílias. E quando me refiro ao celular, como meio de comunicação, e não telefone fixo, é pelo fato de que das famílias mais pobres hoje dificilmente tem um telefone fixo comum. Até o próprio Governo disponibilizou aos mais pobres celulares e um crédito ínfimo,  mas o fez porque reconhece a necessidade e o direito da comunicação dentro da família. E mais, ao tomar essa atitude institucionalizou, oficializou que a comunicação das massas pobres passou a ser feita através do celular.
A presença da mãe através do celular além de humanitário é pedagógico, porque leva ao filho preso a esperança! Perdido ali no meio de criminosos profissionais e sem esperança nem de falar com seus entes queridos fica mais difícil elaborar, pensar numa outra forma de ser e viver.
Sabemos que a maioria dos nossos presídios são superlotados por jovens, com pouca escolaridade, pardos e procedentes de famílias de baixa renda.
A família, como grupo social que é, constitui primeiro núcleo constitutivo de uma sociedade, logo tem papel relevante na transmissão de valores, normas e modelos de conduta. Esse núcleo pode ter frustrado seu objetivo de formar cidadãos exemplares no início, ao ver um de seus membros delinquindo, continuara a ser o  único grupo capaz de acolher esse indivíduo de modo a dar lhe o apoio moral suficiente na busca da sua recuperação.
É no grupo familiar que o ser humano busca suas bases, suas crenças, seus modelos e objetivos para resgatar forças na tentativa de ser uma pessoa melhor. É para a família que um jovem sem estudo, sem emprego e sem oportunidades busca sair do mundo do crime. Se ele não tem nada, nem ninguém, também terá motivos para achar que nada tem a perder! Para quê sair das drogas e do crime?

Por esta razão, a suma importância do apoio familiar na recuperação de um indivíduo. Acreditamos sim, que o contato telefônico periódico com a família constitui necessidade básica ao interno. Tão básico como alimentar o corpo é alimentar a alma, alimentar a alma de esperança através do amor incondicional que os abnegados pais sabem dar como ninguém . Estamos cuidando de seres humanos, não esqueçamos disso jamais!