Educar para
‘ser’ como forma de combate à delinquência juvenil
Uma maior preocupação com a formação
do ‘ser’ há de preceder a formação do ‘ter’ e toda a essa
parafernália aplicada precocemente pela sociedade capitalista aos nos jovens.
Essa inversão de valores contribuirá cada vez mais para acumularmos apenas
rancores e mortes.
Hoje falarei de um dos assuntos mais polêmicos, a questão do jovem que
comete ato infracional. Para isso, preciso contar com a participação de todos,
favoráveis ou não, sem os quais não será alcançado o resultado que a sociedade
necessita e será impossível encontrarmos uma saída apropriada para a verdadeira
‘guerra civil’ não declarada, que ao longo de décadas acumula apenas rancores e
mortes, muitas mortes.
Sabem os operadores na área de restauração de vidas de dependentes em
Substâncias Psicoativas (SPA) que não dá para falar sobre dependência sem
falarmos sobre delinquência, porque a maioria dos menores dependentes pobres,
mais cedo ou mais tarde, chegarão à delinquência. Quando se trata de menor
infrator, há uma verdadeira aversão ao assunto, que não é apenas um assunto,
mas se trata de um fato funesto que vem acontecendo há décadas, sem a
intervenção apropriada por parte do Poder Público, e se constitui no que eu
denomino “O Holocausto Brasileiro”, vitimando nossas crianças e jovens.
É preciso não apenas denunciar, mas impedir o morticínio juvenil. Há uma
aversão em torno do menor delinquente, que é motivada, em grande parte, pela
exploração midiática populista que, ao invés de promover as informações
esclarecedoras sobre a real situação em que vive o jovem de baixa renda nesse
país, corrobora apenas para fomentar o sentimento de vingança, que gera, tão
somente, mais tragédias.
Precisamos deixar a aversão e o mito que cerca esse tema e partir para o
enfrentamento maduro, na busca por um melhor equilíbrio nas relações sociais de
uma forma geral, garantindo a ressocialização que, lamentavelmente, só existe
na lei. Essa luta, na minha singela opinião, se inicia com um investimento
maciço na educação das famílias, mais especificamente no amadurecimento das
relações entre pais e filhos, educadores e seus pupilos, entre pais e
educadores. O palco mais apropriado para isso é a educação.
Promover uma mudança na cultura de valores de competição e retribuição
para valores da cooperação, da solidariedade e da restauração das relações
humanas, por meio do perdão e da mediação, é o caminho certo para um mundo
civilizado e de paz. Quando as pessoas são educadas para os valores, para que
respondam aos anseios de respeito mútuo e dignidade humana, há nesse fato uma
maior probabilidade/certeza de respostas mais concretas para as grandes
tragédias, que são inerentes à sociedade egoísta e competitiva. Uma maior
preocupação com a formação do ‘ser’ há de preceder a formação do ‘ter’ e toda a
essa parafernália aplicada precocemente pela sociedade capitalista aos nos
jovens. Essa inversão de valores contribuirá cada vez mais para acumularmos apenas
rancores e mortes.
A proposta da Educação Restaurativa é que a educação seja o instrumento
dessas mudanças, um caminho onde haja espaço para a reflexão das nossas
necessidades enquanto pessoas, sem excluir as necessidades do outro, do
próximo. Que a preocupação como a formação de uma sociedade mais equitativa
esteja no bojo dessas reflexões, como o caminho novo, quiçá a única
possibilidade verdadeira de transformação de um novo conceito de vida,
liberdade, justiça, a ser construída pelas experiências diárias a respeito e de
respeito por si mesmo, pelo outro e pelo ambiente em que vivemos. Essa nova
forma de pensar o mundo faz toda a diferença e precisa estar embutida na célula
familiar, educacional e civil, com o imprescindível apoio do Poder Público.
* Conceição Cinti Advogada e educadora. Precursora da Educação Restaurativa, com
experiência de mais de três décadas em tratamento de dependentes de substâncias
psicoativas e em delinquência juvenil. Palestrante e colunista no Jus Brasil.
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