domingo, 22 de novembro de 2015




Educar para ‘ser’ como forma de combate à delinquência juvenil

Uma maior preocupação com a formação do ‘ser’ há de preceder a formação do ‘ter’ e toda a essa parafernália aplicada precocemente pela sociedade capitalista aos nos jovens. Essa inversão de valores contribuirá cada vez mais para acumularmos apenas rancores e mortes.

Hoje falarei de um dos assuntos mais polêmicos, a questão do jovem que comete ato infracional. Para isso, preciso contar com a participação de todos, favoráveis ou não, sem os quais não será alcançado o resultado que a sociedade necessita e será impossível encontrarmos uma saída apropriada para a verdadeira ‘guerra civil’ não declarada, que ao longo de décadas acumula apenas rancores e mortes, muitas mortes.

Sabem os operadores na área de restauração de vidas de dependentes em Substâncias Psicoativas (SPA) que não dá para falar sobre dependência sem falarmos sobre delinquência, porque a maioria dos menores dependentes pobres, mais cedo ou mais tarde, chegarão à delinquência. Quando se trata de menor infrator, há uma verdadeira aversão ao assunto, que não é apenas um assunto, mas se trata de um fato funesto que vem acontecendo há décadas, sem a intervenção apropriada por parte do Poder Público, e se constitui no que eu denomino “O Holocausto Brasileiro”, vitimando nossas crianças e jovens.

É preciso não apenas denunciar, mas impedir o morticínio juvenil. Há uma aversão em torno do menor delinquente, que é motivada, em grande parte, pela exploração midiática populista que, ao invés de promover as informações esclarecedoras sobre a real situação em que vive o jovem de baixa renda nesse país, corrobora apenas para fomentar o sentimento de vingança, que gera, tão somente, mais tragédias.

Precisamos deixar a aversão e o mito que cerca esse tema e partir para o enfrentamento maduro, na busca por um melhor equilíbrio nas relações sociais de uma forma geral, garantindo a ressocialização que, lamentavelmente, só existe na lei. Essa luta, na minha singela opinião, se inicia com um investimento maciço na educação das famílias, mais especificamente no amadurecimento das relações entre pais e filhos, educadores e seus pupilos, entre pais e educadores. O palco mais apropriado para isso é a educação.

Promover uma mudança na cultura de valores de competição e retribuição para valores da cooperação, da solidariedade e da restauração das relações humanas, por meio do perdão e da mediação, é o caminho certo para um mundo civilizado e de paz. Quando as pessoas são educadas para os valores, para que respondam aos anseios de respeito mútuo e dignidade humana, há nesse fato uma maior probabilidade/certeza de respostas mais concretas para as grandes tragédias, que são inerentes à sociedade egoísta e competitiva. Uma maior preocupação com a formação do ‘ser’ há de preceder a formação do ‘ter’ e toda a essa parafernália aplicada precocemente pela sociedade capitalista aos nos jovens. Essa inversão de valores contribuirá cada vez mais para acumularmos apenas rancores e mortes.

A proposta da Educação Restaurativa é que a educação seja o instrumento dessas mudanças, um caminho onde haja espaço para a reflexão das nossas necessidades enquanto pessoas, sem excluir as necessidades do outro, do próximo. Que a preocupação como a formação de uma sociedade mais equitativa esteja no bojo dessas reflexões, como o caminho novo, quiçá a única possibilidade verdadeira de transformação de um novo conceito de vida, liberdade, justiça, a ser construída pelas experiências diárias a respeito e de respeito por si mesmo, pelo outro e pelo ambiente em que vivemos. Essa nova forma de pensar o mundo faz toda a diferença e precisa estar embutida na célula familiar, educacional e civil, com o imprescindível apoio do Poder Público.
* Conceição Cinti Advogada e educadora. Precursora da Educação Restaurativa, com experiência de mais de três décadas em tratamento de dependentes de substâncias psicoativas e em delinquência juvenil. Palestrante e colunista no Jus Brasil.

 

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