Meninos de rua
*Conceição
Cinti
Vulneráveis, essas crianças e adolescentes são levados e
colocados à disposição do Poder Público e, ao invés de serem acolhidos, lhes
subtraem a essência do ser humano.
Ao contrário dos meninos ricos que na maioria das vezes se
perdem dentro de suas próprias mansões pela falta de limites e excesso de
riqueza, os meninos pobres do Brasil se perdem nas ruas à míngua e ignorados
muitas vezes por aqueles que têm o dever de acolhê-lo, com ele se envolver, se
importar e cuidar, afinal, é para isso que recebem dos cofres públicos.
Completamente abandonados e à mercê da sorte são despojados de todos seus
direitos diante de uma sociedade preconceituosa, egoísta e nada solidária. A imagem
de menino que não tem valor muitas vezes é reforçada pela mídia populista e, o
mais grave, com a permissão do Poder Público é achincalhado com palavras de
ordens do tipo: “monstros, irrecuperáveis, prisão perpétua ou morte é o
mínimo”.
Vulneráveis, essas crianças e adolescentes são levados e
colocados à disposição do Poder Público e, ao invés de serem acolhidos, lhes
subtraem a essência do ser humano. É por essa razão que às vezes olhamos para
uma criança que cronologicamente ou biologicamente é uma criança e já não vemos
nela um menino ou uma menina, pois tudo que conseguimos enxergar é um ser
repulsivo ao convivo social e rejeitado. Para que se possa olhar e enxergar uma
criança em alguém que já foi mutilado na sua dignidade é necessário que tenhamos
a responsabilidade e a sensibilidade de identificar na sua alma as feridas
causadas pela indiferença de uma sociedade egoísta e posteriormente destroçada
por um Poder Público deliberadamente fraco e inoperante no cumprimento de sua
obrigação de acolher e tratar meninos e meninas, tendo em vista a falta de
compromisso com a dignidade humana das pessoas de baixa renda que são a maioria
das crianças e adolescentes presos desse imenso país pobre.
O documentário denominado “Meninos de Rua” demonstra a
trajetória das crianças que viviam nas ruas de Belo Horizonte (MG) nos anos de
1980. Já se passaram 23 anos dos episódios retratados nesse documentário e
apenas recentemente as autoridades brasileiras admitiram a epidemia de drogas
no Brasil, fazendo alguma mobilização para combater essa situação e cujos
resultados, na prática, ainda são ínfimos em relação a grande demanda de
dependentes.
Portanto, é forçoso reconhecer que o mais provável é que o
número de crianças mortas durante essas décadas de indiferença do Governo
esteja além do que se possa imaginar. Além disso, o elevado número de meninos e
meninas em tenra idade dependentes de drogas continua sendo uma realidade
apesar dos esforços do poder público para suprimir deliberadamente as
estatísticas que comprovam esta situação que persiste em acontecer porque pouca
coisa ou quase nada foi construído para acolher essas crianças e adolescentes
além de mais unidades de cumprimento de medidas socioeducativas.
O Colégio Salesiano, de Minas Gerais, já entendia naquela época
que esse assunto requer a solidariedade de todos para que possamos salvar
nossas crianças, o futuro do Brasil. Contudo, a situação de Minas Gerais é
apenas um fragmento do descaso, da desumanidade com as crianças e adolescentes
brasileiros de baixa renda em todos os Estados da nossa Federação. Essa
situação vem sendo denunciada por mim como “O Holocausto Brasileiro”, onde
crianças, adolescentes e jovens são mortos todos os dias sem que nenhuma
providência seja tomada para evitar esse morticínio.
É dever salientar que temos grandes dificuldades para
levantar estatisticamente o número desses desvalidos menores de 15 anos, que se
iniciam nas ruas como dependentes químicos e posteriormente se envolvem com a
criminalidade para custear sua dependência. Por essa razão, esse documentário
produzido por pessoas idôneas, como é o caso da direção dos Salesianos e da
pessoa de Dom Bosco, é de extrema relevância para que possamos tomar como base
concreta para defender esses meninos que vivem à margem de todos os seus direitos.
Nas estatísticas oficiais constam apenas menores, a partir
de 15 anos de idade. Porém salta aos olhos, que apesar das mortes precoces
virem acontecendo a decádas é grande em todos os Estados da Federação o números
de crianças comprometidas como o uso de drogas e trabalhando para o tráfico de
drogas, que podemos até dizer que no mundo comtemporâneo, se tratar da
modalidde mais perversa do trabalho escravo, como tão claramente nos elucida
outro documentário igualmente relevante denominado "Falcão, meninos do
tráfico", produzido por iniciativa (privada) e com a participação do
Rapper MV Bill.
Para combatermos e dominarmos uma endemia necessitamos de um
diagnóstico real, transparente, para podermos utilizar todas as estratégias
necessárias e adequadas à situação a fim de atingirmos o controle da realidade
e só assim ter condições reais de combater com eficiência e obter sucesso.
Portanto, ao sonegar informações a respeito da real situação
do comprometimento de crianças entre seis e dez anos de idade em situação e
risco iminente de mortes violentas em razão das drogas não é apenas vergonhoso
para o país, mas se constitui um crime grave contra essa parcela indefesa da
população, o que torna necessária uma investigação por parte do CNJ e demais
organizações, inclusive internacionais, para que cesse o horror do que venho
denominando de “O Holocausto Brasileiro”.
Das ruas, esses meninos e meninas de baixa renda,
dependentes químicos e já em confronto com a lei, e sobre os quais o Poder
Público não mantém deliberadamente um rígido controle sobre quantos são de
fato, têm seus destinos traçados nessas instituições públicas em total
vulnerabilidade e à disposição do Poder Público, ao invés de serem acolhidos e
recuperados.
Advogada e educadora. Precursora da Educação Restaurativa, com experiência de mais de três décadas em tratamento de dependentes de substâncias psicoativas e em delinquência juvenil. Palestrante e autora do blog http://educacaorestaurativa.blogspot.com.br
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