*Conceição Cinti
Recentemente o Brasil assumiu, normativamente, o compromisso de diminuir
com a violência de gênero. A Lei Maria da Penha – Lei 11.340/06, muito mais que
objetivar a proteção da mulher contra a violência doméstica, representou
avançado vitorioso no sentido de reconhecer que a MULHER É ALVO DE VIOLÊNCIA
pelo simples fato de SER MULHER.
E embora muito se tenha obtido favoravelmente à causa com o advento da
mencionada Lei, sabe-se que o Brasil ocupa, hoje, o 7º lugar no ranking mundial
na violência de gênero. Contabiliza-se 4,4 assassinatos a cada 100 mil
mulheres. Um número vergonhoso!
Abordaremos aqui a violência sofrida pela mulher no sistema
penitenciário brasileiro.
As condições subumanas das prisões no país não é fato desconhecido. Pelo
contrário. O próprio Ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, reconheceu
publicamente que o sistema penitenciário brasileiro compara-se às masmorras
medievais[1].
No tratamento das mulheres submetidas a cumprimento de pena
privativa de liberdade, a situação chega a ser monstruosa!
Em Presos que menstruam¸ obra de Nana Queiroz (Editora
Record, 2015), tem-se uma assombrosa noção do que as mulheres passam numa
penitenciária brasileira. A negligência já começa na higiene. Mulheres
presas recebem o mesmo número de itens de higiene que homens, apesar de usarem
o dobro do papel higiênico. Por essa razão, utilizam-se, por exemplo, de jornal
velho.
Há também relatos da confecção de absorventes íntimos de miolo de pão!
Ou o que? Acreditam que o Estado fornece absorventes para as mulheres presas?
Mas a verdade é que há uma luta constante de uma presidiária por sua
vida.
Se os abusos sexuais em prisões masculinas não são raros, imagine-se na
penitenciária feminina, onde as detentas, presumidamente mais vulneráveis do
ponto de vista físico, abrem mão até de sua vocação sexual natural,
comprometendo de forma indelével sua dignidade humana.
A força física e algum status dentro do presídio são instrumentos
poderosos que subjugam mulheres e as fazem cativa sexualmente de qualquer um
(ou uma), que detenha a força e o poder.
Como o sexo é uma moeda de barganha dentro dos presídios femininos, não
há que se falar em estupro ou qualquer outra modalidade de crime sexual contra
a mulher presidiária. A mulher dentro do presídio fica absolutamente vulnerável
e entregue à força bruta.
Sabemos que todos os presídios brasileiros são uma vergonha nacional no
descumprimento aos DIREITOS HUMANOS. Há, como dissemos, excessos também nos
presídios masculinos. Mas o que é exceção nos presídios masculinos, é regra no
sistema carcerário feminino.
A mulher condenada à prisão no Brasil é impiedosa e duplamente apenada.
Ela perde não apenas seu direito de liberdade, mas perde também seu direito à
vida. E para evitar que uma tragédia lhe tire a vida tem que fazer concessões,
que na maioria das vezes violentam e matam seus sentimentos.
Falência dos sentimentos e emoções é o que consigo imaginar de alguém
que diariamente é submetida a uma situação sexual contraria à sua natureza,
apenas para poder sobreviver. Esse fato acontece diariamente, diuturnamente,
nos presídios femininos, mas é uma barbárie, uma aberração que precisa ser
corrigida. Porque esse tipo de tratamento que é aplicado nas prisões
brasileiras, é o mais terrível que um ser humano pode se submeter.
Por uma gestão de gênero, a mulher necessita de mais assistência, que o
homem no que concerne a sua higiene pessoal. Por essa razão está sujeita a
passar mais privações nos presídios brasileiros. Então percebemos que a mulher
tem duas frentes para encarar.
Além de ter que ceder às “carícias e desejos” de qualquer que detenha o
poder, ou a força, para sobreviver, luta muito no dia a dia para garantir sua
higiene pessoal. A questão da higiene para mulher encarcerada é um item que lhe
acarreta mais sofrimento e desconforto que ela tem que lutar para preservar sua
saúde. Porém, nada é mais perturbador, que pensar na sujeição sexual
indiscriminada, imposta a mulher presidiária, como a única forma de preservar a
sua vida.
*Conceição Cinti- Advogada e educadora. Precursora da Educação
Restaurativa. Especialista em Tratamento de Dependentes em Substâncias
Psicoativas e Delinquência Juvenil, com experiência de mais de três décadas.
Colunista do Jus Brasil.
[1] MARTINS, Luísa. “Presídios do
país são masmorras medievais, diz Ministro da Justiça”. O Estado de S. Paulo. 05
nov. 2015. Disponível em: <http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,presidios-brasileiros-sao-masmorras-medievais--diz-ministro-da-justica,10000001226>